quarta-feira, 19 de março de 2008

lýngwa

Discutir linguagem é sempre um prazer. Na verdade, tudo que se refere a esse músculo elástico que nos ajuda a comer, a falar, a fazer troça das ordens dos mais velhos é sempre interessante. Isto porque é ela, a lýngwa, a responsável pela mais bela das artes humanas: a comunicação verbal (e em alguns casos, a não-verbal também).
Mas parece que o falar tem sido alvo fácil de um neo-apartheid. Quando vejo um colega falando em norma "culta", tenho a impressão de que há nessa classificação um preconceito sub-reptício fruto de um discurso de dominação. Quem fala certo, é respeitado. Quem fala errado, é burro (ou daí pra baixo). Daí me lembro de um texto clássico do Veríssimo chamado O gigolô das palavras, em que ele compara os vo
cábulos a meretrizes e o usuário ao cafetão ou explorador das garotas de programa. Na verdade, a comparação é até meio machista, porém, explicita uma relação - que nem sei se acontece como ele descreve - de submissão das palavras àqueles que as usam. E é nesse texto que ele diz o clássico: "escrever claro não é certo, mas é claro, certo?"
Isso porque há mudança de classe (adjetivos que se transformam em advérbios sem pedir licença). Pois bem, o "certo" seria eu dizer: quem fala corretamente é respeitado. Quem fala erroneamente é burro. Daí eu te pergunto: por acaso você deixou de entender o que eu quis dizer por ter usado o adjetivo (com função adverbial)? E esse é só um exemplo beeeeem cotidiano mesmo.
Vamos discutir a lýngwa, essa estranha metonímia que usamos para estabelecer elos com outras pessoas, não a gramática. Porque gramática é um livro que deve servir como norte para a
comunicação, tal como um dicionário. A partir do momento que colocamos a gramática como centro das atenções - e é isso o que temos feito a vida toda na escola -, nós negamos as absolutas transformações que os falares promovem incessantemente.
Por que é que você acha que tantos lingüistas clássicos desconsideram a fala? Porque ela é a única coisa completamente anárquica na lýngwa. No exato momento em que eu busco categorizá-la, ela escapa pelos meus dedos como um punhado de areia em mãos fraquejantes.
Não gosto de falar em norma "culta". Isso quer dizer que minha mãe, por não ter prosseguido com seus estudos a par
tir da quinta série do ensino fundamental e , portanto, não dominar tal norma, mas apesar disso é mais sabedora de cultura de um modo geral do que toda minha família reunida, retomo, isso quer dizer que minha mãe não é culta. Isso eu não aceito. A lýngwa dela é tão bela quanto a do Paspale Cipó Metro.
A propósito do título, y não tem som de i e w som de u? Aprendi no pré. (eu era bem menos do que sou hoje quando fazia pré, ou melhor, eu não era nada)

Imagem do belíssimo filme A língua das mariposas. Vale a pena assistir!

2 comentários:

Unknown disse...

Guga querido,

Gostei do texto! Para nós, professores “antenadinhos”, essa discussão é deliciosamente óbvia. Mas, em sala de aula, ela dá um boró imenso... Engraçado como nossos alunos tendem, em sua maioria, a ser gramatiqueiros. Pensando melhor, engraçado nada... O tal “preconceito lingüístico” (aliás, você tem algum preconceito contra o Bagno? rsrs) está na base da nossa formação escolar.

Isso é outra coisa interessante. Quando nós, letrólogos, nos deparamos com as discussões de linguagem na graduação, adotamos uma das três atitudes possíveis: 1) revoltar-se com as discussões de linguagem, e ir embora do curso porque lá “não se ensina gramática”; 2) jogar a gramática no lixo, afirmando que ela não serve para coisa alguma na face da terra; 3) entender as inúmeras possibilidades da linguagem em relação aos diversos fatores que a determinam. Entendo que nós dois nos enquadramos nessa terceira categoria, estou certa?

Daí que, talvez, o seu texto possa ser entendido como representante da segunda postura que assinalei. Bom, fica aí pra você pensar...

Só uma última observação: a gramática prevê o uso de adjetivos no lugar de advérbios. Portanto, está na norma, é correto. Aliás, há até um nome pra isso: “adjetivos adverbializados”. Pelo menos está na gramática da Leila Lauar Sarmento, que é uma gramática moderninha. E sabemos bem como isso é possível, afinal, a gramática normativa precisa acompanhar, até certo ponto, as rebeldias -- como você bem disse -- da fala.

Beijos,
Suene.

Jess disse...

quanto a isso, posso dizer com toda a certeza que o Wendell e sua análise sobre "O preconceito lingüístico" mudaram a minha vida.