quarta-feira, 28 de maio de 2008

coi$a

Os melhores (ou seriam piores?) vinte minutos da minha vida assistindo a um filme. Veja uma, duas, trezentas vezes. A história das coisas, filmaço.








terça-feira, 27 de maio de 2008

lata

Como se tem discutido muito a questão do consumismo exacerbado, muitas idéias me têm ocorrido e deixado inquieto. Pensando sobre o produto ideal para o consumidor real (aquele que não pensa que o que compra vai virar lixo depois de já ter destruído parte da natureza e provavelmente explorado alguma criança num país subdesenvolvido dentro do processo de produção), vejam bem, consumidor real comprando produto ideal, criei a lata de nada. Nesta, tudo o que há de mais valioso em quem compra, sua completa imbecilização diante das propagandas e da busca incessante por grana e mais-grana, está contido. O continente é a melhor expressão da industrialização: a lata; o enlatado; o contido; o processado; o condimentado e sem gordura trans vazio extremo absoluto. Uma lata de vácuo.
Todas as coisas boas da vida não têm preço. As ruins, têm. E a gente paga por isso. Um brinde à hipnose coletiva!



quinta-feira, 22 de maio de 2008

contoII

Houve comentário do meu conto no blog... mas houve muito mais ao vivo! Pirei! Tenho mesmo leitores fiéis. E eu agradeço imensamente a visita de todos, apesar de não poder publicar tanto quanto gostaria, frustrando os mais fiéis que vêm aqui quase todo dia - alguns disseram que vêm todo dia!
Pois bem, chega de conversinha. Vou publicar mais contos meus, já que deu IBOPE (instituto do batalhão de operações da polícia especial - não tem nada a ver com obrigar as pessoas a gostar dos meus contos, imagina...). Segue um que escrevi de um jeito experimental. Eu tinha o tema na cabeça, tinha a personagem, tinha o final. Mas para que ele ficasse verossímil, eu escrevi quase cinco laudas só sobre a personagem, para poder conhecê-la, aí sim eu escrevi o conto, que deu menos de quatro laudas. Louco né?

Cheira à falta de espírito

Para o grupo Nirvana

Vitória era sócia de uma empresa de perfumes, a Campestre. Seu trabalho, dedicação, amor-próprio estavam todos voltados para empresa. Sua vida. Sempre atravessou pequenas crises existenciais enlevando o valor das coisas, diante das dificuldades, diante da vida, enfim, trazia consigo o amuleto da sua verdade, seu trabalho era sua religião, o que a provinha, o que a sustinha, o que dava a ela gosto pelo viver. Certo dia viu na tevê um sociólogo esfarrapado, barbudo, maltrapilho “Hoje, as pessoas se preocupam mais em ter do que em ser”, sublinhava ele. Lembrou do povo do centro acadêmico de quando estudava, aquele povo que matava aula pensando em fazer a revolução com uma meia dúzia de outros que não tomavam banho e não gostavam de estudar. Como podia aquele homem falar uma asneira daquelas? É claro que as pessoas querem mais ter do que ser, se elas são aquilo que elas têm, o mais lógico é que elas busquem a resolução da angústia na raiz desse dilema. Eu não vivo na Índia, dizia ela, pra sacrificar meus bens em busca de um espírito que não tem cara, de uma elevação espiritual que não faz parte da minha vida. Prefiro satisfazer-me com o que há de realmente verdadeiro e concreto na existência. É óbvio que prefiro ter do que ser, se o que tenho é o que sou.

Sabia e sentia sua importância nos comentários que ouvia acerca de seus perfumes: “ganhar um campestre é um luxo”. Achava que fazia o bem quando promovia às pessoas o estado de graça por causa de um dos sentidos mais poéticos do nosso corpo, o olfato, ter sido afetado positivamente.

E era uma mulher só.

Mas não existe nenhuma relação disso com o fato de ela ser trabalhadora, viciada nos seus negócios e no bem-seguir de sua empresa. A cada ano ela ficava mais rica e, conseqüentemente por causa da fama, mais só. A solidão não afigurava-se-lhe como um mal. Ela lia muito sobre depressão e solidão e realmente não conseguia enxergar esse medo que as pessoas tinham da solidão. A morte parecia ser pior que a solidão. A falta que um companheiro fazia a ela era física, não espiritual. E o físico, como qualquer outra coisa, era fácil de comprar.

As poucas amigas se espantavam com sua administração da solitude. Achavam que ela era uma work-a-hollic perdida, sem volta, incurável, ia morrer numa mesa de escritório. Do escárnio, praga ou inveja, ela ria gostosamente com muito dinheiro no bolso, como nenhuma delas.

Num dia de estafa mental, algumas coisas não tinham saído como ela planejou, resolveu ir a Londres. Queria tomar um banho de loja, sua terapia mais eficaz. Tomou o avião. Viagem boa na classe executiva. Aviões lembravam-na robustez. Gostava de aviões. Chegando em Londres, hospedou-se no hotel de costume, Sir David. Lá ouviu falar de um leilão que ia acontecer à noite no salão de eventos do hotel. Não havia programado fazer compras num leilão, mas bem que leilões eram divertidos. “Comecemos, então, pelo leilão”, dizia a terapeuta Vitória à paciente Vitória.

No leilão houve disputa acirrada por umas velharias que não a agradavam. Não gostava muito de música, tão pouco de coleções, então que fitas com gravações raras dos Beatles, o último microfone em que Billy Holliday cantou, sapatos do Elvis ou o cadillac 1949 vermelho, original, não despertaram sua atenção. Depois desses lances, já convencida de que ali não compraria nada (não gastava por gastar), o mestre de cerimônias anunciou um par de sandálias, crivadas de rubis e alguns diamantes que faziam contraste. Nesse momento, já em pé, Vitória sente seu sangue esvair-se e se senta como se caísse desacordada, mas com olhos vivos e desacretidados. “É lindo!”, sussurrou-se. O lance inicial era de três milhões de dólares e talvez isso não a desestimulasse, pelo contrário, fizesse com que ela se interessasse mais ainda. Ela mantinha-se em silêncio, boquiaberta, quase chorava de alegria, enquanto os lances venciam-se uns aos outros, cada um dando um pouco mais. Cobiça louca. Casais e outras mulheres como ela, solteiras e ricas, procuravam fazer a melhor oferta na tentativa de fazer bater o martelo. O silêncio dela. A última oferta beirava os cinco milhões. O frio silêncio dela. E Vitória esperou, como um aracnídeo em seu canto, a presa se aproximando.

- Cinco milhões para a senhora do Versace vermelho...

Ela ainda não movia os lábios semi-abertos, os olhos pareciam duas bilocas de vidro. Ela estava, nesse momento, dando mais sentido à vida, estava comprando algo que a representava, algo que lhe preenchia as poucas lacunas que julgava ter na vida, um par de sandálias que deixaria qualquer um hirto de tanta beleza, tão mágico era seu efeito, tão brilhantes eram as pedras. As sandálias andavam de um lado a outro pelo tablado, nos pés de uma modelo que ela sequer se lembraria no outro dia da cor dos cabelos. Era sua agora. Era ela, então.

De volta ao Brasil, sentia-se renovada, aliviada, numa espécie de gozo muito próprio de quem compra bem. Esta era uma maneira de os ricos aliviarem suas tensões – comprarem bem – que deixava qualquer pessoa revoltada. Mas cada um tem sua maneira de relaxar, cada um sabe o que é melhor pra si quando a fadiga dá seus primeiros sinais.

E meses depois, sentindo a mesma fadiga, a estafa de fazer negócios no Brasil, Vitória decidiu ir à França com o mesmo objetivo, fazer compras, renovar o que via no espelho. Já tinha muitas roupas caras, muita coisa bonita e de marcas que estavam na boca de dez entre dez ricaços como ela. Na França, pressentindo um déjà vu, participou de outro leilão nas mesmas circunstâncias, ou seja, não fora lá pra participar de leilões, mas no salão de eventos do hotel... Então viu lá um vestido pérola, com bordados estilizados e modernos, que lhe custou um milhão e meio de euros. Batia o martelo com os mesmos olhos enaltecidos, sem precedentes, incorruptíveis, desvairados, decididos. O vestido era de boa marca, tinha um corte fabuloso, mas não era de ouro, como se esperava pelo preço. É que esse povo estilista se engaja de vez em quando em causas sociais e doa parte do que ganha às tais causas.

Isso pouco interessava Vitória. Quando entrevistada na saída do leilão, ela inclusive cometeu a gafe de trocar os nomes das instituições beneficiadas. Na outra semana, tinha a foto estampada em todas as revistas semanais, em todos os tablóides internacionais que a reconheciam como “musa dos perfumes”, sendo espicaçada pelo mal-entendido. Pouco ela ligava pra isso, o mais importante, o vestido que ostentava em seu guarda-roupas, estava seguro e lindo.

No evento de comemoração dos quinze anos da Campestre, Vitória decidiu que ia abalar todas as estruturas, nenhuma mulher estaria tão bonita, seria tão desejada quanto ela. Estava decidido que aquele dia seria o dela de usar a afronta bela, sê-la. Parecia mesmo que seu objetivo era a ostentação pura e simples. Os conhecidos e amigos mais próximos falavam que ela estava perdendo a humanidade. Sabendo disso por um empregado, ela perguntou a ele, muito seca e francamente: “O que é humanidade?”. Este não conseguiu esboçar nada, sua voz travou-lhe as pregas vocais, talvez por medo da pergunta, talvez por medo da resposta.

E então, quase uma hora atrasada, no silêncio rebarbativo do salão de sua mansão, todos já esperavam-na sabendo de seus esbanjes e caprichos, aparecia Vitória, enfiada no vestido perolado que lhe revelava as sinuosas curvas do corpo magro, as pernas lisas, contornadas como por um artista renascentista. Tinha na cabeça uma tiara de ouro que ora lhe davam o aspecto de uma rainha moderna, ora de uma deusa olímpica. E os pés, os pequenos pés, desejos íntimos de qualquer podólatra, metidos nas sandálias crivadas de rubis e diamantes. Surgia irreal, um holograma. Seu orgulho de si baixava os olhos “cheios de humanidade” ao seu redor, nada rebrilhava mais que seus olhos, satisfeitos pela magnitude e classe que impunha aos presentes, todos, sem exceção, absortos.

- Você está linda, Vitória!

- Magnífica Vitória!

- Nossa, amiga, você está deslumbrante!

E homens e mulheres e garçons e diplomatas e embaixatrizes e artistas, todos curvavam-se diante do vestido e do par de sandálias que se dirigia a eles. A festa tivera início com aquela chegada. Música agora se ouvia, de boa qualidade.

Tão logo ela passava por entre as pessoas, carne e osso, sangue e vísceras começavam a desatomizar, começavam a desintegrar-se dentro da indumentária. Todos ainda mantinham o sorriso assustado e encantado pela alteza perfumada e também ela mantinha e devolvia um mesmo sorriso. Mas todas as vezes que olhava para o braço em que o bracelete de ouro puro vacilava, via-o branco, mais branco, passava pelos espelhos dos aparadores e parecia que enxergava o que tinha atrás de si, pessoas, móveis, coisas, estava desmaterializando-se transcendentalmente da carne, do que é humano. Até que as roupas, sandálias e todos os apetrechos ficaram estacionados num canto do salão, as pessoas riam, se divertiam, bebiam champanhe. Nirvana! Vitória desaparecera.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

domínios

Domínios mais azarados da net

O site thesun.co.uk fez uma pesquisa e descobriu os nomes de domínio mais azarados da Internet. Os nomes podem ser lidos de mais de uma maneira, e ficam com um sentido nem um pouco desejado. Confira quais são:

1. www.whorepresents.com
O que é o site: Um banco de dados para agências de ricos e famosos.
Sentindo verdadeiro: Who represents - Quem representa
Sentido azarado: Whore presents - Prostituta apresenta

2. www.expertsexchange.com
O que é o site: Um fórum onde programadores trocam dicas.
Sentindo verdadeiro: Experts Exchange - Trocas entre experts
Sentido azarado: Expert Sex Change - Troca de sexo expert

3. www.penisland.net
O que é o site: Uma empresa que faz canetas sob encomenda.
Sentindo verdadeiro: Pen Island - Ilha da caneta
Sentido azarado: Penis land - Terra do pênis

4. www.therapistfinder.com
O que é o site: Site de busca de terapeutas.
Sentindo verdadeiro: Therapist finder - Busca terapeutas
Sentido azarado: The rapist finder - Busca de estupradores

5. www.molestationnursery.com
O que é o site: Uma creche no sul do País de Gales.
Sentindo verdadeiro: Mole Station Nursery - Creche de Mole Station
Sentido azarado: Molestation nursery - Creche de molestamento

6. www.powergenitalia.com
O que é o site: Empresa de energia elétrica em Milão, na Itália.
Sentindo verdadeiro: Power-Gen Italia
Sentido azarado: Power genitalia - Genitália poderosa

Copiado do blog nada a dizer.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

conto



V
amos ver se agrado com contos também. Este eu escrevi faz uns anos. Era pra entrar no concurso do SESI, no qual já fui premiado em segundo lugar. Mas aí, com este, eu não ganhei. Fiquei meio puto, porque acho o conto legal. Mas nem sempre eu consigo ser melhor do que eu. kkkk, desculpem a modéstia, às vezes eu não resisto. Espero que gostem. E comentem, caramba! Vou até colocar uma figurinha qualquer pra você não desistir da leitura. Qualquer não, é do Amílcar de Castro, da série que ilustrou os livros do Kafka pela Cia. das Letras no Brasil.



Sem(pre) troco

Elaine exercia função de caixa registradora num supermercado em ascensão. Daqueles que não se tornaram lojas de departamento ainda, mas têm mais do que o necessário. E é de supérfluos que grandes supermercados sobrevivem. O supermercado é o espelho de seus clientes. Este sim é o bom. E lá estava ficando muito bom. Mas ainda não tinha organização. O dono pensava que tudo tinha seu tempo e que deveria ir devagar, só cobrar de seus funcionários – as maquininhas registradoras e os empacotadores e os fiscais e os padeiros e açougueiro, os entregadores e o gerente – o que já fosse significativo para a empresa. O nome do supermercado era Ceu. O nome do proprietário era Ceulomar. Daí que quando o supermercado estava perto de abrir – isso foi o que o dono mais ansiou enquanto fazia os preparativos pra inauguração – ele botou um carro de som no bairro anunciando “Está chegando o seu novo supermercado, está chegando o Ceu Supermercado!”; e logo as pessoas ficaram curiosas pra saber o nome do estabelecimento, porque quando ouviam, não entendiam direito que o nome era Ceu. Mas duas semanas de inaugurado e o povo passou a chamá-lo de Céu. Era o que se lia na fachada, segundo ele – o povo. Antes era uma pequena venda, um mercadinho só, que nem nome não tinha. Era pegue-pague que o povo chamava, apesar de oficialmente se chamar Mercearia Viana. Que seu Ceulomar se chamava Ceulomar Viana. E andava prosperando.

E ele tinha a funcionária Elaine, recém-contratada pra “expansão” da mercearia, que agora tinha o status de supermercado. Elaine não era boa pessoa, isso se podia dizer dela sem medo de errar. Nem mesmo suas angústias justificavam seu gênio torto. Parecia estar sempre em estado de vingança. Parecia sempre alimentar esse ímpeto que lhe apertava a vagina toda vez que fazia uma ruindade. Eis que sua cara era mesmo medonha. Não era feia, isto não era. Mas tinha o cenho franzido sempre. E quando ria, ainda os olhos não riam junto: os cortes no entressobrancelhas, vincos fundos e que ninguém os já vira diferentes.

Mas era discreta. Suas maldades eram pequenas, no entanto suficientes pras pessoas perceberem que não deviam pisar o rabo dela. Bote pronto cem porcento. Toda hora e o batom grosso, sobrando bolinhas nos lábios finos, denunciava um ataque. Cães raivosos espumam a boca. Elaine fechava a boca e o batom ficava mais vermelho. Nas quartas-feiras pela manhã a loja ficava das mais vazias, só mesmo meninos comprando balas e chicletes e donas de casa velhas algum tempero.

Nos dias de tédio, ela se lembrava o tempo inteiro de sua existência.

E amarrava bem a boca das sacolas com as compras, dando nós cegos que inutilizavam as sacolas para o depois. Tinha uma maneira empacada de fingir-se surda quando as senhoras pediam-lhe para não fechar as sacolas. Talvez ignorasse porque não fechava as bocas das sacolas, mas as trancafiava. Só na faca ou na tesoura pra abrir depois.

E devolvia trocos em miúdos o quanto podia. Era sempre a mais bem disposta a ir trocar dinheiro no banco três lojas ao lado. Saía e João, o entregador, sempre comentava “essa Elaine é moça prestativa mesmo, todo dia vai cinco, seis vezes ao banco, enfrenta o mau humor dele, às vezes mesmo pega fila, e ainda volta com tudo trocadinho”; mas não era disposição para a loja, para com as colegas, era a sua disposição em fazer as maldadezitas. Dona Cora ia ao supermercado ao menos duas vezes por semana e sempre dizia a Elaine – com quem mantinha um tipo de luta psicológica – que queria o dinheiro graúdo. Ela pedia, Elaine entregava moedas, não fazia questão, sentia a mulher se magoando com a falta de tato dela e isso quase lhe fazia sorrir.

Num dia deixou um alfinete no teclado da míope do caixa ao lado sem ninguém perceber. A coitada furou o dedo fundo e ficava digitando com a mão esquerda. Aquele sofrimento de ter de adaptar-se fazia Elaine dar piruetas no peito, por dentro, de alegria.

Apesar da lei de que tudo o que aqui se faz, aqui se paga realmente se aplicar em seu caso, ela não se deixava abater por nada. Prosseguia na sua busca incessante. E sua busca consistia num ato de amor irrefutável, consistente pela própria natureza – insólita e coerentemente bem-feita – em rasgar a película placentária que a envolvia desde que nascera de novo, resolvida por psicólogo, ainda de quando mantinha relações com seu pai aos oito anos de idade. É claro que isso não justifica suas maldades, que maldade não é senão um espectro das coisas aparentemente boas que nos circundam. Só a maldade é verdadeira, até mesmo a mentira é verdadeira. Mas Elaine não mentia, não que isso não pudesse fazer, isso sabia fazer bem, mas que sua memória traía-a de quando em vezes e então descobriam-na. Era má e insuportava ser desmascarada.

Suas intimidades eram obscuras a todo mundo, ninguém sabia alguma coisa dela. Ela tergiversava, tergiversava quando perguntavam onde ela morava ou se tinha namorado ou se estudava ou se gostava daquela música. Ela escapulia e muitas vezes o banheiro foi palco de seus gritos ocos e surdos. Quando arrancava os grossos pelos das ventas, tão miúdas e tão alinhadas que quem é que iria notar que lá pelos havia? ou quando seu tesão lhe afoitava a mente e ela se masturbava pensando naqueles mais vis, mais feios, mais toscos ao seu redor. Tico, um empacotador, era negro, de barriga grande e nenhum pelo, tão tímido que era feio. E ninguém ligava para a presença de Tico lá. Nem mesmo Elaine. Só quando se masturbava pensando naquele barrigão nela. E quantas não foram as vezes que ela se acabou dentro do banheiro e em um minuto se recompôs, despertando nenhuma atenção dos outros...

Elaine era fogo, dragão moreno mal intencionado.

Mas eis que num dia quarta-feira-trivial, em que todos estão presentes na loja, surge um diabo que ela tratou como um qualquer, como era tratado quem ia ao supermercado na quarta, e ele, aparentando ser mecânico pela cor da roupa, já sabia de Elaine. Na cabeça dela, ele era realmente um estranho. Pois que ele comprou uma cera pra carro e um cheirinho de colocar no console e, assim que ela passou os produtos pela leitora ótica, ele pediu franco, nos olhos dela, que não amarrasse a boca das sacolas. Como de costume ela procedia, chegou a fechar a primeira sacola, olhando pra baixo, já no seu lugar-comum de superar ordens alheias, quando na segunda sacola passou a primeira alça pela outra, ele segurou seu braço com força, fixo ainda nos olhos, e pediu soletrando pra que ela não fechasse a boca da sacola com nó. Sim? Ela parou, olhou uns instantes a cara fechada do rapaz, continuou sua alçada e, por fim, deu um nó ceguíssimo na sacola, com agora não só o cenho mas com o queixo também franzido.

Ele soltou seu braço e que se de olhos fechados ela estivesse, ele certamente estaria se entregando, mas seus olhos não estavam fechados e o que ele fez foi levar a mão à nuca de Elaine, surpreendendo-a com um esfrega-boca, que aquilo não se pode chamar beijo, cinematográfico. As colegas levavam a mão à boca, a míope tirou os binóculos e esfregou os olhos descrente, o João sentiu ciúme, o Tico quis ir ao banheiro se masturbar e seu Ceulomar achou poético, coisa de filme, bonitinho, mas provavelmente iria despedi-la pela má conduta para com o cliente, por isso provocara o que ocorria, ele tinha visto tudo.

Fim do ato, desgrudados: ela arregalou os olhos, ele pegou suas sacolas com as bocas amarradas, ela acompanhou seus movimentos, ele se foi. Seu Ceulomar foi se aproximando dela, já disposto a dar o esbregue e mesmo antes dele começar a falar, o dedo indicador ainda em riste, seus passos aproximando-se do caixa dela – e o estranho se indo – ela saiu de seu gabinete bruscamente em direção à rua. Seus olhos ainda acompanhavam os passos sumidos do estranho mecânico. O homem sumira e ela correra como pôde atrás dele. Os funcionários não puderam acompanhar o desfecho da história, se ela iria se casar com ele ou matá-lo, pois que trabalhavam. Mas ela nunca mais voltou ao supermercado, quer por vergonha, quer por vitória, quer por medo de enfrentar seu fracasso. Justo Elaine, que nunca tinha perdido de um cliente.

E quem é que espera a vitória? Não é de fios que se constrói a teia, de riscos, a vida, de lodo, o verde, de sangue, o vermelho, de vis-a-vis?

Elaine era muito viva.

sábado, 3 de maio de 2008

concretoII


Poema de Augusto de Campos, o maior concretista brasileiro de todos os tempos. Síntese de todos os inter-entre-sub-super-sobretextos que existem. Maravilhoso.

tempo

Mais uma redação de aluna, dessa vez, uma fábula genial sobre o tempo. Eu sempre digo que fábula em 1ª pessoa não existe. Mas aí vem um ser como a Larissa Ricardo e produz um texto exatamente desse jeito. E não tem como eu dizer que isso não é uma genial fábula. Divirtam-se.

Tempo
Tic, tac, tic, tac ...uma rotação por hora, vinte e quatro rotações por dia, Blem, Blem, muitas badaladas... uma hora, sessenta minutos, cada minuto sessenta segundos... eita vida besta! Ser relógio não é muito divertido. Quando a vida está muito movimentada é quando acontece algum "revertério" em meus órgãos e o grande bípede vem me visitar.
O grande bípede é o meu criador. Nele confio, para ele direciono minhas orações, e vivo. Ele dividiu o tempo, homogeneizando o passado, o presente e o futuro. Fazendo com que a hora de ontem seja igual a hora de hoje, que vai ser igual a hora de amanhã. Foi ele quem acelerou o mundo, ele deu corda e se esqueceu de fazer parar. Depois que ele me inventou ficou escravo de mim. Engraçado, o criador escravo da criação.
O mundo vive na filosofia dos acontecimentos sucessivos e instantâneos. Tem-se que fazer muito em pouco tempo, se for diferente o dia é visto como improdutivo. Veja você diário, quantos dos seus irmãos e irmãs em uma única página são lotados de letras, formando sílabas, que formam palavras que por fim dão origem às frases? Frases estás que descrevem o dia, quantas frases marcadas como tatuagens em suas páginas brancas. Até que você sendo um diário de um relógio de pêndulo não precisa se gastar muito... Minha vida não tem muitos clímaces e tarefas, só tics tacs – e blens blens. A não ser quando eu me meto em filosofia...
Daqui da janela eu sempre observo os animas, sendo eles racionais ou não. Na verdade, eu sempre achei os animais irracionais mais racionais. O Homem vive reclamando, sofrendo, dizendo que não tem tempo, mas ele faz de tudo para que seus dias sejam mais e mais cheios – aquela velha história de não deixar para amanhã o que pode ser feito hoje (papo de mãe). Dessa forma teriam tempo para sair com a família no final de semana. "Não, quero usar os finais de semana para adiantar serviço, tarefas, trabalhos, para que eu possa tirar férias e – agora sim - dar atenção para minha família e meus amigos...". E ele nem sabe se vai viver até as próximas férias. Às vezes penso que essa espécie, a que me criou, está se esquecendo de alguma coisa importante.
Os nossos amigos andorinhas, tartarugas, samambaias, entre os outros todos da floresta parecem preferir viver sem conhecer minha função, alheios a mim. Vivem, inevitavelmente, de acordo com a natureza, num equilíbrio dançante com as galáxias.
- E parecem serem mais felizes assim. – Diz o diário cortando o monólogo.
Moral: A vida é muito efêmera para deixarmos de vivê-la por um tempo.