“Atualmente”, “no mundo em que
vivemos”, “a sociedade contemporânea passa por um problema” “cada vez mais
comum”: como começar um texto?
Certamente não é usando chavões como
esses aí de cima. A ideia de “como” se iniciar um texto argumentativo (uma
dissertação, por exemplo) persegue a maioria dos estudantes e dos Professores
de Redação. Portanto, não se sinta excluído por ter dificuldade em fazer isso.
A verdade é que não existe um jeito
certo de iniciar uma redação, e as múltiplas possibilidades de fazê-lo sequer
podem ser compiladas num post como esse.
Algumas ideias cristalizadas de
introdução nos manuais de redação partem da noção de que se DEVE, no início do
texto, fazer uma SÍNTESE de tudo o que se vai discutir na dissertação; necessariamente apresentar uma TESE já no
primeiro parágrafo; citar pelo menos TRÊS ASSUNTOS que serão abordados no
desenvolvimento. Nada disso, porém, constitui uma verdade absoluta, mas tudo
isso é absolutamente possível.
Uma dica infalível para melhorar esse
travamento na hora de encostar a caneta no papel pela primeira vez é a de selecionar
artigos de bons escritores, jornalistas e pensadores e isolar somente os
parágrafos introdutórios. Depois de isolados, a ideia é tentar identificar os
conteúdos trabalhados por esses autores nesse início de texto. Obviamente,
muitos deles farão o que se ensinou na escola a vida inteira: síntese do texto
+ três argumentos + tese. Outros dirão coisas que não serão compreensíveis se
não se ler o resto do texto.
Os melhores textos, no entanto, não visitam
o lugar-comum. Costumam conduzir-nos por caminhos estranhos, irreconhecíveis,
inusitados, chocantes e, por que não, poéticos. A introdução deve ser um apelo
para o leitor continuar lendo seu texto. Se você conseguir impressioná-lo com
um discurso instigante ou cativante, ele vai continuar lendo seu texto e pode
até passar a acreditar em você.
Outra dica importante é refazer as
introduções-clichês de redações passadas. Sabe aquela redação que você saiu mal
pra caramba? Ela certamente tem uma introdução terrível e é uma ótima candidata
à reescrita (da introdução E
da redação).
Aliás, reescrever é uma tarefa que
todos – TODOS – deveriam ter como prática para aperfeiçoamento textual. Releia
e reescreva seus textos, você vai crescer com isso.
Mas vamos ao que interessa, pra você não
ficar pensando que eu te iludi falando sobre introdução e não falando de como
fazê-lo. Aqui vão algumas dicas que podem ajudá-lo a começar seu texto:
Alusão
histórica
Começar o texto fazendo uma breve
referência a um fato histórico relevante ao tema é um jeito simples e eficiente
de começar o texto. Lembre-se: seu leitor precisa acercar-se do assunto,
precisa estar basicamente informado sobre o tema para compreender seus
argumentos. Evite, porém, aqueles fatos mais manjados, tais como Revolução
Industrial ou Escravidão no Brasil. Opte por aqueles mais discutidos na
contemporaneidade, sobretudo no âmbito da história cultural.
Definição
(ou verbete)
Às vezes o tema tem um foco
interessante que merece ser conceituado. Iniciar o texto já com esse foco,
definindo-o, é um bom modo de colocar seu leitor a par do que você quer
discutir. Exemplo: o tema é (UFG) As formas de vigilância e o controle do
corpo. Você pode iniciar seu texto definindo, como num dicionário ou numa
enciclopédia, o que é CORPO;
Enumeração
de tópicos (exemplificação ou topicalização)
Há temas que, só de lê-lo, já
imaginamos uma série de exemplos. É o que ocorre quando temas relacionados à
tecnologia são pedidos. Você pode iniciar seu texto jogando, aparentemente de
modo displicente, os dispositivos eletrônicos relacionados à tecnologia daquele
tema. Exemplo: “Celulares, tablets, câmeras digitais, smartphones, ultrabooks,
notebooks, netbooks... Não há quem não reconheça a importância desses
dispositivos na vida do homem contemporâneo.”
Declaração
inicial
Esse é um jeito comum, porém, se feito
adequadamente, pode causar um efeito interessante no leitor, já que inicia o
texto com uma afirmação forte que pode sugerir uma argumentação consistente. Imaginemos
um tema como os do ENEM, sempre simples e relativamente fáceis de lidar, como (ENEM)
O fluxo imigratório para o Brasil no século XXI. Exemplo: “O Brasil não é um
país xenófobo. Prova disso é que tem recebido nos últimos anos (e por que não
dizer séculos?) um fluxo de povos do mundo inteiro pelas mais diversas razões: guerras,
pobreza, proximidades territorial e linguística e, como tem ocorrido mais
recentemente, crises econômicas.” Notou o início? Olha que afirmação
categórica!
Perguntas
didáticas
Perguntas dessa natureza orientam o
leitor sobre o que vai ler no seu texto. Não constitui erro começar o texto já
lançando essas perguntas, desde que, obviamente, elas sejam devidamente
respondidas ao longo da leitura. Para um texto com uma média de 30 linhas, é
bom ter em mente que não dá pra responder adequadamente oito perguntas. De três
a cinco é o recomendável. De preferência, faça perguntas que remetam à
causalidade. Ou seja, uma pergunta faz ponte para a outra.
Citação
Ao contrário do que muita gente diz,
não é só a citação de autoridade que constitui um elemento relevante para a
argumentação. Às vezes, citar estultices ditas por aí, já no início do texto,
ajudam a fomentar um projeto de texto crítico e que visa desconstruir a citação.
Exemplo: "'Covardia pegarem vídeos de 10, 12 e até 14 anos atrás para me ridicularizarem. Vivo em outro tempo. Querem destruir a imagem dos evangélicos', disse o pastor e Deputado Federal Marco
Feliciano em seu Twitter, no dia 19 de abril. Não é preciso retornar a esses
vídeos para compreender a dificuldade dele em administrar suas falas. Basta ler
a frase novamente para perceber que ele se julga a imagem do neopentecostalismo
no Brasil. Quando se critica Marco Feliciano não se implica, necessariamente, fazer
uma crítica para ‘destruir’ os evangélicos, mas para demonstrar a incoerência do
discurso do pastor/deputado.”
Ilustração
ficcional narrativa
Esse recurso, pouco explorado em
redações escolares e pouco estimulado por professores, leva em conta uma mescla
de discursos. Dizendo de passagem, praticamente todo texto se compõe de uma
mescla de discursos, como o expositivo e o argumentativo. O que se propõe nesse
tipo de introdução é um pouco mais ousado. Iniciar o texto como se fosse contar
uma história é a ideia aqui. Vamos supor que o tema seja ligado ao meio
biofísico, tal como a mobilidade urbana, assunto muito pertinente hoje. É possível
começar o texto assim: “Sérgio e Augusto são executivos de uma empresa. Sérgio sai
de casa antes das seis, para dar tempo de enfrentar o trânsito. Augusto também
sai antes das seis, para curtir a paisagem enquanto dirige-se à companhia. Sérgio,
invariavelmente, chega estressado ao trabalho. Augusto, às vezes, chega um
pouco suado. Sérgio contribui com o trânsito ruim que ele tanto odeia. Augusto ajuda
o trânsito de Sérgio a ser um pouco melhor. Sérgio vai de carro; Augusto, de
bicicleta.” Depois de iniciar o texto assim, é legal digressionar no parágrafo
seguinte que se trata de uma ficção imitando uma realidade. O leitor se envolve
com histórias. Mais adiante, é possível também retomar, metonimicamente, os
personagens (“Precisamos de mais Augustos e menos Sérgios para o trânsito
melhorar”)
Tradicional
Por fim, não custa nada dar uma
repassada naquela introdução tradicional ensinada há tantos anos e, não por
acaso, também eficiente quando bem feita. A ideia é discorrer brevemente sobre
o tema tendo em mente que esse “brevemente” vai se tornar o desenvolvimento da
redação. Além disso, é importante apresentar uma tese, que vem a ser aquela
opinião geral que temos sobre o tema. Usando um tema da FUVEST (Um mundo por
imagens), vamos apresentar um exemplo: “As imagens compõem a vida de todos
diariamente. Elas emocionam, chocam, informam, ajudam e atrapalham. Antes de
tudo, porém, as imagens representam. E é o que se faz dessa representação que
pode definir estes papéis sociais que as pessoas desempenham todos os dias:
representantes e representados”.
Existem mil maneiras diferentes de se
iniciar um texto. Não quero aqui limitar sua imaginação a apenas esses modos
que sugeri. Gostaria, na verdade, que isso servisse para que você vislumbrasse
outras possibilidades, além dessas. Saiba: não existe uma regra absoluta para a
introdução, a não ser a de que ela serve para iniciar o texto. Somente isso. O que
queremos dizer no início do nosso texto deve estar relacionado ao tema que se
pretende abordar, ao projeto de texto que se pretende fazer, à intencionalidade
que se quer sugestionar ao leitor. Lembre-se, você escreve para alguém. Sempre!
Não existem fórmulas prontas e
acabadas sobre como fazer um texto; existem tópicos que são importantes de
aparecer nos gêneros os quais redigimos. É nesta pergunta que você tem de se
apegar: “o que eu pretendo dizer ao meu leitor?” Eu adianto uma resposta: diga
o que vai mexer com ele e, possivelmente, trazê-lo para seu mundo.
P.S.: Este texto é de utilidade
pública. Assim, se você o achou pertinente, compartilhe-o, tire cópias, cole no
mural de sua escola, leia-o para seus amigos, publique no seu blog ou site,
use-o em sala, mande por cartas para amigos com dificuldade de escrita, enfim. Só
cobro o crédito. Mas o texto agora é seu também :)