terça-feira, 22 de abril de 2014

os olhos declarados

Depois de quase um ano sem postar aqui, segue um conto fantástico inspirado.... bem, não vou contar, rs.

Já considerava aquilo um ritual. Todos os dias, assim que chegava do colégio de tempo integral, o jovem Narciso (que nada em comum tinha com o mito grego) entrava para o quarto alegando estudar para, na verdade, dedicar-se a outra atividade. Prevendo que poderia ser interrompido pela mãe ou pela irmã mais nova, ele deixava os livros abertos bem próximos de onde se posicionava, caso precisasse provar sua desculpa.
Todos os dias era a mesma coisa. Por morar em um condomínio de luxo, havia muitas casas grandiosas perto da dele, onde garotas revezavam-se nuas em seus quartos depois ou antes do banho. Ou mesmo preparando-se para dormir ou levantar. Ele conhecia o horário de todas. Marcinha, às 19h, tomava seu banho religiosamente. Às seis da manhã, Clarice se levantava nua e ia direto ao banheiro antes de ir para a aula. No mais tardar da noite, era Letícia quem tirava sempre a parte de cima na janela, enquanto a parte debaixo ele nunca vira.
Uma casa acabou de ser construída logo à frente da sua. Nela, havia uma jovem que ele não sabia o nome e que, por sorte dele, também se trocava em frente à janela. Ficava completamente nua. Apesar do olhar estranho e nem uma gota sedutor dela, só o corpo o interessava. Com essa tinha de ter mais cuidado. A cortina sempre fechada, apenas com uma fresta aberta. Com ela nem de binóculos precisava, estava muito perto. Na primeira semana, já havia decorado o corpo da garota (de quem ainda não tinha notícia como se chamava). E sempre se acabava em punhetas, dolorosas e excitantes punhetas. Após o gozo, um misto de culpa e ojeriza o dominava. “Estou invandindo o espaço delas? Mas afinal, elas nem sabem que estão sofrendo ‘abuso’! Moralmente eu estou errado... a culpa é delas! Quem manda serem tão descuidadas? Você devia se envergonhar. Eu devia parar com isso. Devia mesmo”. Mas não parava. Ao menos por enquanto, pois nunca tinha beijado uma garota, no auge dos seus dezessete anos. Feio e tímido, Narciso ainda tinha um nome ingrato para um adolescente como ele.
No final de semana não viu sinal da vizinha nova. A impressão que tinha é que ela não dormira em casa. Na segunda-feira, sem muita esperança, foi até a janela no horário em que tinha visto a moça se trocar outras vezes. Dessa vez, ele teve a ereção interrompida. Quando a luz se acendeu e ela começou a tirar a roupa, ele estava de pé, olhando pela fresta da cortina. No entanto, ele avistou alguns móveis de seu próprio quarto dentro do quarto da moça. O primeiro pensamento era o de que ela tinha móveis muito parecidos com os dele. Mas, olhando bem a poltrona vermelha, notava que mesmo o rasgo no braço era idêntico. Ao virar-se para sua própria poltrona, via um clone da que estava na casa da garota. Ainda que ela se demorasse nua na janela, ele não conseguia sentir nada de bom, pois aquela cômoda, aquela poltrona, aquele pufe... aquilo tudo era do quarto dele!
A luz dela se apagou. Ele se sentou em sua cama intrigado e sem qualquer tesão. Sua irmã entrou no quarto. Pegou o livro de química: “Que que foi?!”
No outro dia, ainda muito cismado e sem ter qualquer olhos para suas outras garotas, ele voltou à fenda para ver a estranha vizinha da frente. A luz se acendeu, o quarto era outro, os móveis haviam desaparecido e outros, diferentes dos dele, ocuparam o lugar dos anteriores. Tão logo ele se deu conta disso, começou a se animar com o strip gratuito de todos os dias. Tinha uns peitos duros de adolescente, e grandes como os mamões que sua mãe o punha para comer todas as manhãs. Era muito gostosa. Quando baixou a calcinha, como de praxe, apareceu um pouco acima do ventre um pedaço de pele esticado, como se fosse um calço, em forma de meia lua, cuja parte superior era reta e a parte inferior abaulada, tal um círculo semicortado. Em princípio deu um salto para trás, julgando ver um pênis. Mas observando melhor, enquanto ela amarrava o cabelo com uma liguinha, preparando-se para o banho, aquilo não era nada conhecido por ele. Nunca tinha visto nada parecido e tão intrigante, enquanto ela agia com a naturalidade e bizarrice que lhe eram peculiares. Sentiu um engolfo subindo-lhe à garganta, mas respirou fundo e evitou o vômito. Ao voltar para a janela, ela já havia ido banhar-se. Numa tensão sem igual, ele aguardou os dez minutos que ela dedicava ao banho passarem para ver o membro novamente. Ela voltou com uma toalha embaixo e outra na cabeça quase vinte minutos depois. Aparentemente não havia qualquer coisa por baixo daquela toalha debaixo, tão somente aquela buceta gostosa de todos os dias! Assim que ela secou o cabelo com a toalha, tirou a debaixo e o membro ressurgiu, como uma ereção instantânea de um pênis, mas agora em cor e textura visual de carne viva! Aquela coisa que se parecia um queijo curado agora tinha o aspecto e a cor de carne viva! Ela então olhou para a coisa, alisou-o como um pênis, baixou-o entre as pernas e vestiu a calcinha. O membro, que não era pequeno, muito maior que o dele, por exemplo, desaparecera sob a lingerie e a garota estava novamente gostosa, como de costume. Ao olhar para seu membro, encolhido como se nevasse, sentiu novamente um engolfo forte vir à tona. Dessa vez o gosto salgado prenunciou o vômito de estômago vazio do rapaz sobre o assoalho. De joelhos, ele cerrou os olhos e bateu com o punho no chão. Aquilo não poderia estar acontecendo!
Na escola, nem olhava para os colegas, nem para as garotas, nem para os professores. Ele andava como um morto-vivo pelos corredores e pátio. As aulas esvaíam-se pelos seus ouvidos moucos. Não respondia nenhuma pergunda de professor com outra coisa que não um “não sei” próximo ao catatônico.
Ao chegar em casa, subiu para o quarto numa estranha força de curiosidade e repulsa. Não olhou a Marcinha. Não tinha olhado a Clarice. Queria ver novamente a estranha. Era assim que a chamava. Sua mãe havia comentado mais cedo, no lanche, que a conhecera, que ela era como ele, quieta, tímida, mas boa menina. Chamava-se Susie, “nome de boneca”, riu a mãe balzaquiana. “Estranha”, disse Narciso. “Estranha? Por que diz isso? Por acaso pelo menos já conversou com ela alguma vez?”, “o virjão nunca conversou com nenhuma garota, mãe, ahahah”, debochou a irmã. “Cala a boca! Não se mete na minha vida!!”. “Calma, filho!”. “Calma uma porra!” e deixou o bauru pela metade com o copo de leite intacto. A mãe sussurrou com a filha que mais tarde conversaria com ele, que deixassem-no ir, paixonite adolescente tinha esses rompantes às vezes. A estranha demorou mais que o de costume a aparecer. Quando acendeu a luz do quarto, tinha já os olhos focados nos dele. Narciso se assegurou de que estava invisível por trás da cortina, mas parecia que os olhos dela penetravam os dele. Então, como se o visse claramente, ela fechou as cortinas quase completamente, antes de se despir. Aparentemente com esse propósito, ela apenas deixou uma frincha aberta, por onde parecia observar o que se dava no quarto da frente. Sem nada entender e com um pavor incomum percorrendo sua espinha, sentia-se ele, agora, observado pela garota. Mesmo estando completamente seguro de que suas cortinas black out o protegiam, ele se sentia totalmente observado. Invadido. Perscrutado em sua intimidade. E, vestindo apenas uma bermuda, tomou uma atitude inédita, começou a abrir as cortinas, com raiva, com força. E, depois de escancaradas, começou a se despir, olhando para a frincha da cortina dela, como um violentador. Tomado de um desejo de agressor, começou a tirar a bermuda com violência, ficou só de cuecas olhando para a vizinha, que ele não via, mas certamente estava lá. Então segurou o saco e o pinto, por cima da cueca, e chacoalhou. Não era uma masturbação, era como se dissesse “tenho colhões! Não tenho medo de você, aberração!”. Andando de um lado para o outro da janela, ele olhava impacientemente para a cortina da vizinha.
Um clarão. Uma forte luz, como a de um relâmpago, inundou seus olhos instantaneamente. Atordoado pela cegueira repentina, com uma das mãos pra cima, no rumo do rosto, aos poucos abria os olhos e esperava retornar do atordoamento do flash. “Que porra é essa??”, perguntava-se irritado. Sentou-se na cama enquanto paulatinamente as cores e as formas voltavam à sua vista. Respirou fundo e, quando olhou para fora, viu exatamente a mesma cena que ocorria em seu quarto. Era como um espelho gigante colocado no quarto da estranha. Como num desenho animado, balançava a mão e mexia a cabeça, observando seu outro eu fazer o mesmo do outro lado. Ora o quarto tinha os mesmos móveis, ora ele parecia ver embaçados os móveis dela. Mais curioso que temeroso, ele continuava procurando por algo. Até que viu a garota surgir atrás do seu outro eu, no quarto dela. Ela estava linda, muito diferente dos outros dias. Completamente nua e com um olhar lânguido, com os lábios carnudos sugerindo, sugerindo. A cabeça pendia levemente para trás. Enquanto se aproximava dele. Ele manteve-se imóvel, como fazia quando observava as garotas de seu minarete. Ela então o alcançou e o enlaçou em seus braços tenros. Ele podia sentir aqueles peitos duros, aqueles bicos deliciosos encostarem em suas costas. Aos poucos uma ereção rochosa empedrava seu pau, enquanto ela o abraçava e mordiscava suas costas, seu pescoço, sua nuca. Completamente envolvido por aquela garota, que agora parecia mais uma mulher, dada toda a naturalidade e experiência com que agia, ele se deixava tomar por aquele desejo acumulado que só se esvaía em poucas gotas de seu esperma, liberados cotidianamente pelas punhetas. O resto do desejo estava ali, contido naquele corpo franzino de gente tímida e deslocada. As mãos corajosas dela percorriam-lhe o corpo, as pernas, a bunda, o peito, o abdome. O pau entumescido. Então ele criou coragem e começou a agir naturalmente, virando-se, de olhos fechados e manobrando as mãos pela cintura daquela monumental mulher. Seus lábios tocaram os dela, como se ele soubesse o que fazer. E, por alguns segundos, o medo (ou o estarrecimento) deu lugar a uma postura de amante, de homem determinado.

Mas o beijo não era bom. Tinha cheiro. Tinha gosto de carne crua. A saliva não era boa. Aos poucos então foi abrindo os olhos. Tinha clareza: era a mesma mulher que estava diante dele, a que ele tinha visto no quarto dela. Mas essa era toda de carne, sem pele. Quando olhou pras mãos ensebadas daquela carne de cobra, afastou-se dela num átimo. Ao olhar para seus olhos, teve certeza de serem os mais bonitos e os mais bizarros que já vira em toda sua vida. O entumescimento do pau tomava conta agora da pélvis, das extremidades das mãos e dos pés. Uma última olhadela pra baixo confirmava seu peso e sua imobilidade. Ao tentar gritar, por dentro de si crescia um cimento. Seus olhos secaram antes de a visão esmaecer e a respiração parar. Tornara-se mais uma estátua daquela colecionadora maldita. 

quinta-feira, 25 de abril de 2013

COMO COMEÇAR UM TEXTO ARGUMENTATIVO?

“Atualmente”, “no mundo em que vivemos”, “a sociedade contemporânea passa por um problema” “cada vez mais comum”: como começar um texto?
Certamente não é usando chavões como esses aí de cima. A ideia de “como” se iniciar um texto argumentativo (uma dissertação, por exemplo) persegue a maioria dos estudantes e dos Professores de Redação. Portanto, não se sinta excluído por ter dificuldade em fazer isso.
A verdade é que não existe um jeito certo de iniciar uma redação, e as múltiplas possibilidades de fazê-lo sequer podem ser compiladas num post como esse.
Algumas ideias cristalizadas de introdução nos manuais de redação partem da noção de que se DEVE, no início do texto, fazer uma SÍNTESE de tudo o que se vai discutir na dissertação;  necessariamente apresentar uma TESE já no primeiro parágrafo; citar pelo menos TRÊS ASSUNTOS que serão abordados no desenvolvimento. Nada disso, porém, constitui uma verdade absoluta, mas tudo isso é absolutamente possível.
Uma dica infalível para melhorar esse travamento na hora de encostar a caneta no papel pela primeira vez é a de selecionar artigos de bons escritores, jornalistas e pensadores e isolar somente os parágrafos introdutórios. Depois de isolados, a ideia é tentar identificar os conteúdos trabalhados por esses autores nesse início de texto. Obviamente, muitos deles farão o que se ensinou na escola a vida inteira: síntese do texto + três argumentos + tese. Outros dirão coisas que não serão compreensíveis se não se ler o resto do texto.
Os melhores textos, no entanto, não visitam o lugar-comum. Costumam conduzir-nos por caminhos estranhos, irreconhecíveis, inusitados, chocantes e, por que não, poéticos. A introdução deve ser um apelo para o leitor continuar lendo seu texto. Se você conseguir impressioná-lo com um discurso instigante ou cativante, ele vai continuar lendo seu texto e pode até passar a acreditar em você.
Outra dica importante é refazer as introduções-clichês de redações passadas. Sabe aquela redação que você saiu mal pra caramba? Ela certamente tem uma introdução terrível e é uma ótima candidata à reescrita (da introdução E da redação).
Aliás, reescrever é uma tarefa que todos – TODOS – deveriam ter como prática para aperfeiçoamento textual. Releia e reescreva seus textos, você vai crescer com isso.
Mas vamos ao que interessa, pra você não ficar pensando que eu te iludi falando sobre introdução e não falando de como fazê-lo. Aqui vão algumas dicas que podem ajudá-lo a começar seu texto:
Alusão histórica
Começar o texto fazendo uma breve referência a um fato histórico relevante ao tema é um jeito simples e eficiente de começar o texto. Lembre-se: seu leitor precisa acercar-se do assunto, precisa estar basicamente informado sobre o tema para compreender seus argumentos. Evite, porém, aqueles fatos mais manjados, tais como Revolução Industrial ou Escravidão no Brasil. Opte por aqueles mais discutidos na contemporaneidade, sobretudo no âmbito da história cultural.
Definição (ou verbete)
Às vezes o tema tem um foco interessante que merece ser conceituado. Iniciar o texto já com esse foco, definindo-o, é um bom modo de colocar seu leitor a par do que você quer discutir. Exemplo: o tema é (UFG) As formas de vigilância e o controle do corpo. Você pode iniciar seu texto definindo, como num dicionário ou numa enciclopédia, o que é CORPO;
Enumeração de tópicos (exemplificação ou topicalização)
Há temas que, só de lê-lo, já imaginamos uma série de exemplos. É o que ocorre quando temas relacionados à tecnologia são pedidos. Você pode iniciar seu texto jogando, aparentemente de modo displicente, os dispositivos eletrônicos relacionados à tecnologia daquele tema. Exemplo: “Celulares, tablets, câmeras digitais, smartphones, ultrabooks, notebooks, netbooks... Não há quem não reconheça a importância desses dispositivos na vida do homem contemporâneo.”
Declaração inicial
Esse é um jeito comum, porém, se feito adequadamente, pode causar um efeito interessante no leitor, já que inicia o texto com uma afirmação forte que pode sugerir uma argumentação consistente. Imaginemos um tema como os do ENEM, sempre simples e relativamente fáceis de lidar, como (ENEM) O fluxo imigratório para o Brasil no século XXI. Exemplo: “O Brasil não é um país xenófobo. Prova disso é que tem recebido nos últimos anos (e por que não dizer séculos?) um fluxo de povos do mundo inteiro pelas mais diversas razões: guerras, pobreza, proximidades territorial e linguística e, como tem ocorrido mais recentemente, crises econômicas.” Notou o início? Olha que afirmação categórica!
Perguntas didáticas
Perguntas dessa natureza orientam o leitor sobre o que vai ler no seu texto. Não constitui erro começar o texto já lançando essas perguntas, desde que, obviamente, elas sejam devidamente respondidas ao longo da leitura. Para um texto com uma média de 30 linhas, é bom ter em mente que não dá pra responder adequadamente oito perguntas. De três a cinco é o recomendável. De preferência, faça perguntas que remetam à causalidade. Ou seja, uma pergunta faz ponte para a outra.
Citação
Ao contrário do que muita gente diz, não é só a citação de autoridade que constitui um elemento relevante para a argumentação. Às vezes, citar estultices ditas por aí, já no início do texto, ajudam a fomentar um projeto de texto crítico e que visa desconstruir a citação. Exemplo: "'Covardia pegarem vídeos de 10, 12 e até 14 anos atrás para me ridicularizarem. Vivo em outro tempo. Querem destruir a imagem dos evangélicos', disse o pastor e Deputado Federal Marco Feliciano em seu Twitter, no dia 19 de abril. Não é preciso retornar a esses vídeos para compreender a dificuldade dele em administrar suas falas. Basta ler a frase novamente para perceber que ele se julga a imagem do neopentecostalismo no Brasil. Quando se critica Marco Feliciano não se implica, necessariamente, fazer uma crítica para ‘destruir’ os evangélicos, mas para demonstrar a incoerência do discurso do pastor/deputado.”
Ilustração ficcional narrativa
Esse recurso, pouco explorado em redações escolares e pouco estimulado por professores, leva em conta uma mescla de discursos. Dizendo de passagem, praticamente todo texto se compõe de uma mescla de discursos, como o expositivo e o argumentativo. O que se propõe nesse tipo de introdução é um pouco mais ousado. Iniciar o texto como se fosse contar uma história é a ideia aqui. Vamos supor que o tema seja ligado ao meio biofísico, tal como a mobilidade urbana, assunto muito pertinente hoje. É possível começar o texto assim: “Sérgio e Augusto são executivos de uma empresa. Sérgio sai de casa antes das seis, para dar tempo de enfrentar o trânsito. Augusto também sai antes das seis, para curtir a paisagem enquanto dirige-se à companhia. Sérgio, invariavelmente, chega estressado ao trabalho. Augusto, às vezes, chega um pouco suado. Sérgio contribui com o trânsito ruim que ele tanto odeia. Augusto ajuda o trânsito de Sérgio a ser um pouco melhor. Sérgio vai de carro; Augusto, de bicicleta.” Depois de iniciar o texto assim, é legal digressionar no parágrafo seguinte que se trata de uma ficção imitando uma realidade. O leitor se envolve com histórias. Mais adiante, é possível também retomar, metonimicamente, os personagens (“Precisamos de mais Augustos e menos Sérgios para o trânsito melhorar”)
Tradicional
Por fim, não custa nada dar uma repassada naquela introdução tradicional ensinada há tantos anos e, não por acaso, também eficiente quando bem feita. A ideia é discorrer brevemente sobre o tema tendo em mente que esse “brevemente” vai se tornar o desenvolvimento da redação. Além disso, é importante apresentar uma tese, que vem a ser aquela opinião geral que temos sobre o tema. Usando um tema da FUVEST (Um mundo por imagens), vamos apresentar um exemplo: “As imagens compõem a vida de todos diariamente. Elas emocionam, chocam, informam, ajudam e atrapalham. Antes de tudo, porém, as imagens representam. E é o que se faz dessa representação que pode definir estes papéis sociais que as pessoas desempenham todos os dias: representantes e representados”.
Existem mil maneiras diferentes de se iniciar um texto. Não quero aqui limitar sua imaginação a apenas esses modos que sugeri. Gostaria, na verdade, que isso servisse para que você vislumbrasse outras possibilidades, além dessas. Saiba: não existe uma regra absoluta para a introdução, a não ser a de que ela serve para iniciar o texto. Somente isso. O que queremos dizer no início do nosso texto deve estar relacionado ao tema que se pretende abordar, ao projeto de texto que se pretende fazer, à intencionalidade que se quer sugestionar ao leitor. Lembre-se, você escreve para alguém. Sempre!
Não existem fórmulas prontas e acabadas sobre como fazer um texto; existem tópicos que são importantes de aparecer nos gêneros os quais redigimos. É nesta pergunta que você tem de se apegar: “o que eu pretendo dizer ao meu leitor?” Eu adianto uma resposta: diga o que vai mexer com ele e, possivelmente, trazê-lo para seu mundo.


P.S.: Este texto é de utilidade pública. Assim, se você o achou pertinente, compartilhe-o, tire cópias, cole no mural de sua escola, leia-o para seus amigos, publique no seu blog ou site, use-o em sala, mande por cartas para amigos com dificuldade de escrita, enfim. Só cobro o crédito. Mas o texto agora é seu também :)


terça-feira, 22 de janeiro de 2013

mais estranho que uma laranja mecânica


Quando videei na internetnet que iriam lançar Laranja mecânica numa edição horrorshow mesmo, com ilustrações do Dave Mckean, Oscar Grillo e Angeli, pensei: - Que oportunidade bolshi de ler a obra que eu nunca tive, Ó, meus queridos amigos e irmãos.
Senti-me completamente imerso no universo de Anthony Burgess e, por Bog, tive vários snitis enquanto dormia sobre a história. O texto é absolutamente envolvente e eu não consegui parar de ler enquanto meus glazis não ficavam tipo assim muito cansados e meu ploti não aguentava mais.
Comparando o livro com o filme de Stanley Kubrick (algo como comparar piano e saxofone), nota-se o brilhantismo de Burgess muito bem traduzido nas imagens e edições do diretor novaiorquino. O filme é mais engraçado, um humor tipo assim horrorshow mesmo, com poucas incursões do narrador, como naturalmente é de se esperar na cinedramaturgia. Você reconhece o Tim Burtom, o Tarantino e o Guy Ritchie como gente que sofreu alguma influência daquela obra.
Voltando ao livro, de início eu tentei ler sem acessar o farto material que o acompanha. A saber: uma nota de tradução, de Fábio Fernandes e o glossário nadsat, além de vários extras do Burgess, cópias de originais com anotações do autor e essa kal total. Percebendo que ia ser um malenk difícil compreender a obra, decidi por itiar para os capítulos com a marcação do glossário à ruka para a hora que eu precisasse, apesar de o tradutor não recomendar isso. E, Ó, meus queridos irmãos e amigos, tive de recorrer diversas vezes, porque havia momentos em que eu ficava completamente perdido e aquela kal total. Mas dá pra sluchar o shom da goloz de Alex, sarcástica e bela, durante toda a leitura, mesmo sem consultar o glossário. Ora, ora, ora, ora, ora, ora. Não me queiram diminuir por esta malenk fraqueza, sim?
Terminei a obra com os zubis à mostra de tanta empolgação e corri para ver a versão cine-cínico. A todos os meus druguis loucos por literatura e cinema como Vosso Humilde Narrador, sugiro que kupetem esta obra com o cortador que tiverem nos karmans. E se você é uma devotchka ou um maltchik esperto, sugiro itiar hoje mesmo a uma livraria horrorshow e ingressar nesta narrativa completamente odinoki, depois podemos govoretar tranquilamente sobre ela, caso tu estejas inclinado a um marco da literatura pop desse já século starre que é o século XX.
Não entendeu nada? Sugiro este site, que tem o glossário nadsat na versão do tradutor Fábio Fernandes.



sexta-feira, 15 de junho de 2012

filosofagens e vagabundamentos


A preguiça não é um pecado. Não são os homens a cometê-la; é ela a acometê-los. A inveja não é um pecado; é a meta ao quadrado. Como se chama o que é mais que pecado, duplamente qualificado? Não é a ira senão a manifestação sincera dos maus humores? Não é engoli-los a seco o verdadeiro pecado? A avareza não é pecado; “é a mãe da economia”, diria o diabo do Machado. A luxúria não é pecado; pecado é deixar as maçãs apodrecerem sem ter delas se deliciado; aliás, os melões, as melancias, as bananas, as uvas, as peras, os mamões, as mangas e até os estranhos kiwis também não chupados. Cobiça é um querer e a reza é de que ele é poder. E se reza, então é verdade e esta é boa; portanto não é pecado. E, finalmente, gula não é pecado; senão a realização de um desejo de se manter bem nutrido sempre. Se outras pessoas passam fome, é porque se abnegaram do direito ao que se convencionou chamar pecado e que aqui o chamamos benefício. Quem não come para evitar a gula compadece-se da inanição, que é doença e, portanto, deveria ser chamada de verdadeiro pecado.
Pecado é não ficar pelado.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

paradoxo da publicidade

Tem um sentimento estranho que me consome: o paradoxo da publicidade. Explico: sou fascinado pela ideia de que, com uma boa imagem, um discurso bem ajambrado, uma estratégia de promoção bem feita, as pessoas comprem uma ideia. Não falo de comprar somente com dinheiro; aliás, falo principalmente da ideologia que existe por trás de tudo que é vendido. Uma marca de roupa ou uma instituição de combate à violência contra os animais - tudo é ideia. Por outro lado, minha fascinação é interrompida pelo nível de alienação que a publicidade pode perpetrar, além da poluição visual que consome nossas cidades (São Paulo é um exemplo marginal. Foi "limpa" nos últimos anos da excessiva poluição visual; os outdoors foram banidos e as fachadas das lojas têm dimensionamento definido pela prefeitura).
Outro dia, consumido por essa contradição de gostar/detestar publicidade nas ruas, principalmente em época quando ela brilha em led ou é feita de um plotter extremamente chamativo, parado num sinaleiro, olhei pra cima e vi um banner com uma propaganda de uma loja de roupa feminina. Não lembro o nome da loja; mas talvez se lembrasse não o poria aqui, não estou recebendo pra fazer propaganda pra ninguém. A imagem de uma mulher palha, magra, com um coque no cabelo e uma roupa que almeja ser bonita, sem nada de muito diferente, vinha acompanhada de um slogan forte, marcante, agressivo: "Desobedeça, transgrida, reinvente - coleção outono/inverno". Reli. Reli de novo. Depois ri muito, ri alto, ri de modo desconsertante. Como é? A dica da loja é para que suas consumidoras desobedeçam, transgridam,  reinventem... e consumam o mesmo tipo de produto que todo dia é consumido por centenas de milhares de mulheres? Será que o escritório que bolou esse marketing tem noção desse paradoxo? Ou será que construiu esse discurso sabendo que suas consumidoras não se dariam conta dele? Como é que uma mulher pode transgredir seguindo uma tendência "outono/inverno"? Desobedecer comprando? Reinventar repetindo padrões? Talvez adquirindo a coleção "primavera/verão", né? Aliás, quem sabe esse banner não influencia realmente as pessoas a refletirem sobre o significado dessas palavras? 
A publicidade tem banalizado as palavras tanto quanto os políticos têm reescrito conceitos de ética e moral ou os líderes religiosos se apropriado do discurso do demônio para convencer seus fiéis a lhes pagarem cifras exorbitantes de seus mirrados salários. É bisonho, mas é real. Quando leio numa revista "a revolução dos cosméticos", só consigo imaginar um creme hidratante com um coquetel molotov na mão e um esfoliante com uma máscara preta na cara. Revolução era palavra do "index" da ditadura brasileira. Hoje está na publicidade ajudando a consolidar o perfil de consumista que todos nós adquirimos com essa nova maré boa de economia em que estamos nos enfurnando. Estamos adaptando o american way of life ao jeitinho brasileiro de gastar em suaves prestações (ou mais parecido com a gente, "de levar vantagem em tudo", como na lei de Gérson).
"A propaganda é a alma do negócio". Essa máxima nunca foi tão verdadeira: os imperativos dos slogans e das imagens pasteurizadas têm transformado essa alma em arma. Os negócios apontam suas armas para nós. O desejo de consumir nos consome, autofágico. Estamos vendidos aos discursos prontos e bastante predispostos à reinvenção do material do qual nós temos sido feitos - plástico. 

segunda-feira, 9 de abril de 2012

meio tenso,
senso sonso,
torço o meio
do pescoço,
absconso.

seio denso
texto torto,
mostro mênstruo
no monstro,
alonso.

é-o: s,x

segunda-feira, 12 de março de 2012

Verdi de primeira viagem




Ouviu dizer que música clássica ajuda a relaxar enquanto se dirige no trânsito caótico da cidade. A sogra dissera isso no almoço de domingo. E se a sogra dissera, só podia ser verdade. Então foi até uma loja para comprar um CD. Pediu ao vendedor que lhe recomendasse algo bom, porque ele não entendia de música clássica, e sua sogra dissera que era bom pra ouvir no trânsito, que deixava as pessoas relaxadas, porque a música é calma e o trânsito, o trânsito não, esse era bem barulhento, perturbador, então ele pensou...
- Está certo senhor, eu entendi – arrematou o vendedor demonstrando um pouco de impaciência, como se já tivesse ouvido aquela história algumas vezes. Ele realmente era daqueles sujeitos calados, mas que contavam as mesmas coisas quando abriam a boca. Mesmo quando abriam a primeira vez pra uma história.
- O que o senhor prefere? Temos aqui – mostrando algumas coletâneas com capas de natureza morta – Strauss, Vivaldi, Chopin, Wagner, Beethoven, Verdi, Handel, Mozart, Tchaikovsky, Enya...
- Enya é música clássica? – interrompeu curiosamente o neófito nesse ramo.
- Não, mas para o que o senhor quer, é a mesma coisa.
- Enya é homem ou mulher?
- É mulher.
- Então não deve prestar. Me vê o verde aí.
- Verdi, o senhor quer dizer...
- Verde, Verdi, Vermelho, desde que seja bom, tanto faz. Se eu ficar calmo, volto pra comprar mais.
- É ópera, senhor. Tudo bem?
- É daquele povo que canta e a gente não entende nada?
- Isso é Sepultura, senhor (o vendedor ria por dentro de sua sacada genial).
- Hein?
- Mais algum?
Levou Giuseppe Verdi. Assim que entrou no seu carro mil, tirou o CD de modão e pôs-se a escutar La Traviata. No princípio teve uma sensação semelhante à de quando comeu kiwi na casa da sogra, no Natal, pela primeira vez. Era gostoso, mas era estranho.
Aos poucos se acostumou e começou a sentir que a música começava a falar-lhe ao coração. Aumentou o volume; aumentou sua excitação. Depois de meia hora de trânsito, sentia-se superior aos demais. Naquele calor suarento que as catorze horas fazem, sentia uma leve brisa entrar pelo vidro aberto do carro. Os outros veículos do engarrafamento suavam. Ele sentia como se seu rosto sorrisse, mesmo sem olhar nos retrovisores para confirmar isso.
Uma moto vermelha, com dois homens magros, parou ao lado do carro dele e o carona sacou um revólver enquanto o da frente acelerava como quem ia sair antes do assalto ser concluído.
- Passa a carteira agora, viado!! Passa logo! Eu te mato, anda! A carteira, caralho!!
Ele ficou meio pasmo com o insólito e esticou o braço lentamente para baixo do console central do carro para pegar a carteira, como pedia o bandido. Enquanto entregava a carteira para o bandido, puxou com a outra mão o braço com revólver do bandido. O outro rapaz saiu em disparada, deixando o carona caindo para trás. O homem então, segurando firmemente o braço do meliante, tirou-lhe a arma da mão inclinando-a para trás e fechou rapidamente o vidro do carro. O sinal abriu logo em seguida, ele engatou a primeira e saiu como sairia se não tivesse um bandido pendurado em seu carro. Ouvia Verdi, arrastava um bandido pelo braço em seu carro a trinta e poucos quilômetros por hora e ia imprimindo velocidade, como faria normalmente. O bandido gritava e dava cabeçadas de capacete no vidro, até que este quebrou-se. As mãos do homem mantiveram o jovem bem preso com o braço torcido pra baixo depois disso. Os calçados se esfacelavam no asfalto, o sangue do braço misturava-se ao suor, La Traviata falava-lhe aos seus sentidos mais humanos. Alguns carros ao redor estavam parados, uns protestavam pela crueldade, outros buzinavam, anuentes e se sentindo vingados, andavam lado a lado com a cena.
Alguns quilômetros depois, quando o bandido não mais reagia, a polícia o parou. Mandou-o encostar o carro. Só soltou o bandido porque viu suas pálpebras fechadas e não ouviu mais sua voz, não porque tinha uma 765 apontada pelos policiais para sua cabeça.
Desceu do carro, calmo, resignado, dileto. Os policiais falavam alto, mas a música de Verdi falava-lhe mais. Os restos mortais do bandido jaziam ao lado do veículo. Com as mãos levantadas, olhando para baixo, passou por cima do corpo como se fosse um entulho.
Perguntado pela sogra, na cadeia, como fizera obra tão bruta, ele dissera que não sabia.
- Mas isso não deixou você importunado, matar um homem, Constâncio?
- Sabe, d. Norma, a senhora tinha razão, como sempre: essa tal de música clássica relaxa a gente. A senhora conhece esse Verdi?

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Revisão UFG, dá uma olhada aí, ficou muito bonitinho. Descompacte, clique duas vezes sobre o prezi e seja feliz. Ah, faça uma boa prova também!
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segunda-feira, 7 de novembro de 2011

a (flor da) pele que habito

      "Almodóvar é sempre um clássico" "Adoro as cores do Almodóvar" "Nós nunca sabemos no que vai dar" "Prefiro os antigos dele" são constantes nos burburinhos dos intelectuais e dos nem-tanto que frequentam o cinema e conferem as obras do diretor espanhol. Devo dizer que, apesar de a introdução dar a entender que não faço coro a esse discurso, na verdade estou no grupo dos nem-tanto. Então os clichês nas falas dos outros sobre o diretor eu costumo ecoar.
Elena Anaya numa cena linda do filme
      Felizmente, uma obra dele é sempre uma conversa franca sobre tabus. Em tempos de piada de mal gosto afetando as pessoas como crimes hediondos, esses mesmos crimes na tela de um diretor hypado como ele nunca são demais, afinal, ele os "problematiza", os discute, os expõem na mesma medida em que os transforma em assombradas verdades, escondidas nas brutalidades meramente humanas. 
       A pele que habito é um filme diferente de tudo o que já vi. Inclusive eu colocaria a obra na seção de drama na minha locadora (caso eu tivesse uma), mas não sem hesitar em pô-la junto aos thrillers. Como thriller deixa a desejar. Como drama, no entanto, não mata a gente como em Tudo sobre minha mãe ou Fale com ela. Mas dá pra arrancar uns suspiros de dó. Dó de tudo, inclusive. As de sexo, por outro lado, são quentes, intensas, sem ser descritivas. O diretor sempre retratou o sexo com devida sutileza. Mesmo os estupros nunca são o clichê. Basta lembramos de Kika e a hilária cena em que é violada. Quem é que pode rir de um estupro? Almodóvar provoca.
       Vi pouco as cores que geralmente inundam a tela como se fosse mesmo uma obra plástica. Os enquadramentos continuam lindos, mas pela atmosfera mais sombria do filme, as cores estão mais opacas (porém não menos bonitas). 
         Os atores nas mãos de Almodóvar comem em sua mão. Obedecem ao diretor como o filho que tem medo do pai. Inclusive achei o Banderas menos expressivo que de costume. Já o vi mais vivo.
       Agora, a história tem um tom de humor negro inevitável. Irrepreensível. Confesso que não me diverti com a desgraça dos personagens, mas que havia momentos de desconfortável vontade de rir, ah, isso houve em vários momentos. Não vou bancar o spoiler aqui e ficar adiantando os fatos. Vão ver o filme, ta no Bougainville/Lumière. 

Nota: quero retomar minha cinecultura. Fiquei anos indo ao cinema vez ou outra. Estou no clima de fazer com o cinema o que fiz com a literatura. Faça o mesmo. Internet é bom, mas não é o único lugar que deve nos divertir. VÁ AO CINEMA!

terça-feira, 25 de outubro de 2011

neve vermelha

Sofri para ler Branco neve vermelho Rússia, da polonesa Dorota Masłowska. Eu não sou fã de beatnik, literatura à qual a autora parece se afinar bastante. Os intermináveis fluxos de consciência e discursos indiretos-livres dominam toda a narrativa, que se limita a alguns poucos fatos, entrecortados por muita viagem de anfetaminas e pouco sexo. Esperava mais sexo nesse livro, não sei. Os drogados poloneses retratados por Dorota não transam.
A história de um personagem sem-lugar em seu país é o duto que escoa, pelas letras de Dorota, a realidade de uma parcela do povo polonês, sem referencial depois do mundo não ser mais bipolar. (aliás, acho que o mundo está é cada vez mais bipolar)
Demorei de agosto até semana passada (outubro) pra conseguir ler o livro. Simplesmente não fluía. Essa chapação toda me enche o saco. Não suporto juventude sem perspectiva e querendo ser sem perspectiva e não tendo outra alternativa a não ser: não ter perspectiva. 
A história não tem início. Da mesma forma, também não tem fim. O enredo nada mais é que um recorte na vida do personagem. Não sei se é porque sou muito ligado à tradição da narrativa com todas as reviravoltas que culminam num clímax, qualquer clímax, e depois se desfecham (ou acabam antes disso), mas pra mim BNVR é verborragia pura. Admito que é massa ver uma jovem de 18 anos (na época da publicação do livro) publicando um livro que foi traduzido para várias línguas, ganhou alguns prêmios e chamou a atenção pela "ousadia" discursiva e, guardadas as devidas comparações, originalidade. Criei expectativa demais com a história. Esperava algo retumbante como a Clarice em suas primeiras obras. Nada disso; literatura ruim pra mim, apenas.
Reforço, entretanto, que considero importante ler de tudo. Várias vezes me passou pela cabeça desistir daquele livro, mas a persistência em me firmar como leitor disciplinado superou essas vontades. 
Não conheço mais dessa autora, não sei se publicou outras coisas. Se o fez, não vou atrás pra ler: tenho uma pilha enfileirada em dominó pra eu ler. Mas se cair na minha mão novamente e tiver uma proposta diferente dessa, posso até me arriscar. Sei lá, daqui uns dez anos.

domingo, 2 de outubro de 2011

referências

Referências são os pontos para os quais olhamos e para onde queremos ir. Referências são as bases nas quais nos sustentamos para seguir em frente. Referências nos estimulam, nos incitam, nos fazem refletir, querer alcançar pontos inalcançáveis. Referências nos emocionam, mas sobretudo referências nos tornam seres vivos e pensantes. Uma pessoa sem referências é uma pessoa ignóbil.
Dia 28 de setembro, pouco antes de dormir, minha timeline do Twitter foi invadida por uma notícia que eu não quis aceitar e pensei tratar-se de trote: o vocalista do Cólera, Redson, morreu de uma parada cardiorrespiratória. Antes de dormir, dei a notícia à minha mulher, adormeci às lágrimas incontidas.
O outro dia foi uma merda. Dei aula sem graça. Perguntavam do Rock In Rio, eu contava brevemente como tinha sido, voltava pra matéria tentando esquecer que o rock faz parte da minha vida.
Estive um dia de luto. Um dia. Na sexta eu já estava ok, porque o Redson não morreu de verdade. Eu o vejo nos meus álbuns do Cólera, nas letras dele, nas músicas, nas fotos. Vejo-o nas minhas letras, nas minhas músicas, nas escolhas que fiz pra vida. Ele foi mais importante pra mim do que muitos parentes próximos. Se hoje penso que pode haver um amanhã melhor pras gerações que vêm, é porque na minha adolescência eu conheci o Cólera e as letras e músicas do Redson. 
"Quanto eu passo as noites nas esquinas/ esperando um ônibus que nunca vem/ vejo mulheres prostituídas, tento imaginar por quê/ vejo moleques, rasgados, perdidos, não têm um amigo/ mas por quê?/ Dê uma olhada pra essas vidas/ onde estão os direitos de viver?/ Eu me lembro, falam na declaração/ que nascemos livres, livres, por iguais/ mas não entendo se escolhemos/ ou se alguém escolheu por nós/ não está certo, alguns estão ricos/ outros não têm nem um amigo/ Dê uma olhada pra essas vidas/ onde estão os direitos de viver?"
Depois de ouvir/ler essa música aos meus 16, 17 anos, eu nunca mais fui o mesmo. A partir dali, eu estava num processo irreversível de transformação para buscar um mundo melhor e de lá pra cá, pouca coisa mudou. Fiquei mais embrutecido, menos sensível, mas ainda acreditando. Perdi a inocência, mas não o otimismo. 
Sangue Seco com Redson ao centro em 2007, em Palmas
Eu perdi um ídolo, mas suas ideias nunca morrerão em mim ou nos outros moleques de 16, 17 anos que estão conhecendo o Cólera agora e transformando suas vidas concretamente. O discurso soa religioso, eu sei. Mas a indignação e o inconformismo não fazem parte de adorações, mas de detestações. O mundo punk compartilha isso, independente da corrente ideológica. Todo punk é um indignado. Os que têm o Cólera como referência, além de indignados são otimistas. 
No sábado, 1º, teve um show histórico em Goiânia. Olho Seco, banda seminal do punk junto ao Cólera, tocou aqui na cidade, voltando às atividades depois de quase uma década parado. O Ímpeto, uma de minhas bandas, abriu mão de tocar as próprias músicas no show de abertura desse evento e tocou apenas Cólera, do começo ao fim. Foi nosso jeito de homenagear aquele que nos influenciou. Se tocamos alguma coisa, muito se deve ao Redson e ao Cólera. As pessoas gostaram, choraram, cantaram conosco e fizeram um espetáculo lindo. Aquele espírito é o que temos de carregar conosco no dia a dia pra enfrentar todas as pedras que jogam na nossa cara toda hora. Pra aguentar a merda do mundo, preciso fazer algo que vá contra ela, preciso acreditar que ser adolescente não é uma fase, mas uma escolha de vida. "Eles dizem que você é doente, e que isso é fase de adolescente mas não! Não vá se entregar!", gritava o Redson no melhor disco do Cólera: Pela Paz Em Todo o Mundo. Nunca ouviu? Baixe aqui.
Eu hoje estou feliz. Feliz porque sei que o Redson cumpriu seu papel aqui. Foi embora cedo, "os bons morrem jovens", cantava Renato Russo mais uma verdade. Morreu cedo, mas não deixou nada a dever a ninguém. Só a crescerem cada vez mais. FORTE E GRANDE É VOCÊ!!!

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

contido

mesmo que não fizesse
ainda que não fosse
embora estivesse sem
porque não tem
pois é certo que foi
talvez não tão
quanto pudesse fazer
se alterasse o
obter-se-ia um
porém, é óbvio que
não poderia querer
porquanto essa variação de 
me mantivesse tão
[contido]

domingo, 14 de agosto de 2011

resenhas preguiçosas

Sei que estou sumido, meus cinco leitores. Sei que vocês querem tirar o Tessitura dos seus favoritos e enviá-lo aos bloqueados. Mas tenham dó desse pobre escritor sem ideias e com preguiça extrema. Assunto não me falta. Falta disposição para escrever sobre tudo o que tenho visto. E tempo também, sempre ele.
Depois de "Histórias extraordinárias", do Poe, li "Pequenas criaturas", do Rubem Fonseca, "Mundos invisíveis", do Marcelo Gleiser, "Demian", do Hermann Hesse, "A grande arte", do Rubem Fonseca novamente (to viciado nesse cara) e comecei um romance polonês de uma escritora chamada Dorota Maslowska que é bem no estilo beat, anos 70 e tal. Mas a história é desses tempos, os personagens têm celulares, rs. To desbravando as primeiras páginas, nem tenho opinião ainda sobre o que estou lendo.
O certo é que não resenhei nenhum desses livros que li de março pra cá e temo o tempo passar e eu perder a referência. Afinal, uma das razões de eu ter querido resenhar o que leio é na tentativa de eternizar minhas impressões sobre o que li. Mesmo sabendo que quando eu reler algumas dessas obras minha cabeça será outra, gostaria de saber o que eu pensava na época.
Então, pra eu não perder o fio da meada e nem vocês me abandonarem definitivamente, resolvi fazer comentários breves sobre essas obras. Estou com muita coisa na cabeça. Queria escrever um romance do Néverton, o personagem desse último texto que escrevi em junho ainda. Mas não senti uma resposta positiva dos meus leitores. E eu não quero escrever mais só pra mim, como já faço com as resenhas. Não quero confetes, queria uma resposta. Qualquer uma. Ando carente de estímulos. Ando preguiçoso. Preciso escrever. 
Vamo lá.
Pequenas criaturas - Rubem Fonseca produziu uma sequência de contos com personagens com conflitos típicos de crônica. Pequenas desgraças cotidianas seria um bom nome para a obra também. Mas é claro que "Pequenas criaturas" é muito superior, pois resume em duas palavras a verve de todos os personagens do livro. Alguns parecem mais significativos, como o garçom assassino do conto "Ganhar o jogo", outros, porém, como o velhote banguela e cadeirante do primeiro conto é de dar dó. Você ri da desgraça alheia porque se coloca no lugar dele e pensa, que merda de vida. E nós somos os brasileiros, esses miseráveis que riem da desgraça do outro, mas riem da própria desgraça também. Aliás, antes que outros riam; orgulhamo-nos. O livro é ótimo e faria uma excelente resenha dele se não fosse essa preguiça.
Mundos invisíveis - Marcelo Gleiser. Eu já gostava dos artigos do Gleiser na Folha, mas nunca tinha criado coragem de ler um livro seu. Medo de passar o que passei lendo "O universo na casca de noz", ou seja, incompreensão de 70% da obra do Hawking. Mas eis que me surpreendo com uma obra acessível, linda, fácil de ler e cronológica. Nada mais prático. Indicado pra curiosos em ciências exatas como eu. Da alquimia à física de partículas (aliás, acho que isso é o subtítulo do livro), ele faz um resumão do que aconteceu nos fatos e nos bastidores dos eventos históricos mais relevantes da ciência que tenta explicar do que tudo é feito. Lindo, vale muito a pena ler. Empolguei tanto que até comprei o último que ele lançou, "Criação imperfeita", uma bicuda na tão perseguida "teoria de tudo". Não li ainda, mas ta na fila.
Demian - Hermann Hesse é um autor que faz parte da minha vida desde que li Sidarta a primeira vez. Na verdade, desde que li que Clarice Lispector se impressionou com "O lobo da estepe" de tal modo que quase pirou. E isso foi antes de eu ler "Sidarta" (confira resenha desta obra láááá em baixo). Para muitos, as três obras mais importantes do escritor alemão são as citadas aqui. São as únicas coisas que li dele. Tem uma máxima na literatura de que os grandes escritores estão sempre tentando contar sua história nos seus personagens e enredos. Hesse não foge à regra e eu o vejo em seus principais personagens. Para que nunca o leu, a ordem que sugiro é "Demian", "Sidarta" e "O lobo da estepe". Pois bem, Demian não é o personagem principal, ao contrário das outras duas obras. Um personagem, Sinclair, é que conta a história e se refere a Demian diversas vezes. Uma obra intrigante, pois os personagens nada têm de comum. Questionadores, inteligentes e complexos, eles adotam as mais diversas posturas e os mais inusitados fatos permeiam toda a narrativa. Mas já adianto, é do tipo que devassa nossa vida, pois nos vemos muitas vezes nas mesmas desgraças em que se encontram os personagens.
A grande arte - Rubem Fonseca. Ando devorando a obra desse mineiro e ganhei de um aluno um de seus principais romances. Tava passando da hora de eu ler o cara na literatura em sua forma extensa. Não importam quantas páginas você leia, o estilo é tão seco e objetivo que você não quer parar de ler. Lembro-me de não marcar com o lápis o parágrafo em que parei (tenho esse hábito) só pra retomar logo a leitura. É uma das histórias do advogado criminalista Mandrake. O final é... diferente do que eu imaginava. Não curti muito; mas todo o lance com as facas e a constante luxúria como um dos temas sempre são válidos na literatura do cara. Muito bom, mas ainda prefiro seus contos mais recentes. Claro, você reconhece todo o esforço do autor no romance; há muito estudo ali, sem sombra de dúvida. Sei lá, sou fã de contos também, né?
Quando eu terminar o "Branco neve, vermelho Rússia" eu conto pra vocês. A julgar pela capa, o livro é uma lindeza.

sábado, 18 de junho de 2011

anotações de um homem cinza (I)

Talvez isso vire um livro pra ser escrito em julho. 


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I

O meu hábito era tomar um banho às seis e dez naquela merda de chuveiro que não esquenta direito. Depois de vestir o uniforme, depois de comer o pão de ontem que o diabo sovou e tomar o café de marca barata, eu passava o gel no cabelo olhando no espelho que ficava em cima da cadeira que eu peguei da casa do meu padrasto. Anteontem olhei fixamente para minha cara, para o meu cabelo que precisava de aparo, esbocei um sorriso com as sobrancelhas voltadas pra baixo (eu gostava de parecer mau) e quando senti que minhas bochechas voltavam ao lugar assim como minhas sobrancelhas, a imagem do espelho descascado nos cantos continuou com a expressão. Senti um palor subir pela minha cara quando a vi dizer: “você é a imagem mais medíocre da derrota. Olhando assim pra você, não se pode sentir nem pena. Esse seu corpo macilento e essa eterna cara de segundo lugar são o perfeito espectro da incompetência humana. A verdade é esta: você é um derrotado. Olhe bem pra seus relacionamentos: a Diana, sua primeira e única namorada de verdade, deixou você porque você ‘era muito parado’; a Cláudia, a menina que você dizia ‘pegar’ para o povo da empresa nem sequer sabe da sua existência depois daquele beijo, bêbada, naquela ‘festa’ de bairro a que você foi – desacompanhado, diga-se; a Myrelli tem vergonha de falar pras amigas que deu pra você duas vezes de dó, de pura dó. Ela fala que deu porque estava a fim, mas ela deu porque acha que todo mundo merece comer alguém na vida, ou seja, é uma puta frustrada como você; a última é a Ceziane. Nessa você deposita uma fé de que vai dar certo, de que ela gosta realmente de você; não é bonita, nem é certa de corpo, é ‘legal’. Sabe o que aconteceu? Você diminuiu seu parâmetro para se sentir mais confiante. Mas isso não é ser superior, é reconhecer a sua ruína pessoal antes mesmo de tentar alçar qualquer voo. O que aliás seria uma estupidez descabida, já que se fôssemos aves, você seria a galinha aleijada sem asas. Entenda que suas ideias, o que dizem lá na igreja no domingo, que você frequenta somente por peso de consciência, você não ouve de fato o que dizem lá e quando ouve, não entende, entenda que suas ideias não são originais. Nada do que você faça alguém perto de você já não tenha feito. Você é o produto importado da China que amarela. Você é mais barato. A sua dignidade restringe-se ao fato social chamado trabalho. Naquela loja de colchões você realmente acha que algum dia vai se destacar, que vai passar o Cleber nas vendas, vai impressionar o Márcio e ele te elogiará na frente dos outros vendedores. Mas isso não vai acontecer. Não vai porque você nasceu estagnado. Você não lembra, mas nos dias em que ficou encubado pra ver se sobrevivia, você deveria ter escolhido não vir pra cá, deveria ter ficado lá dentro. Mas num esforço sobre-humano dos médicos, você veio à tona. Pela primeira (e não última) vez, não foi você quem decidiu. O tempo, a vida, as pessoas têm te empurrado. Seu tempo particular, psicológico, é atrasado, como o dos relógios paraguaios que seu pai vendia quando você era pequeno. A separação dos seus pais porque ele era um canalha e transava com todas as amigas da sua mãe (esse y você não herdou) aconteceu e parece que até hoje você não se deu conta disso. Seu pai superou, sua mãe superou, arranjou outro pra explorá-la e você, no fundo do seu raso âmago, acha que um dia eles vão voltar. Você tem vinte e três anos e esperança de nove! Entende o quanto é simplório? E ainda acha que os amigos ao seu redor são pessoas em que pelo menos você pode confiar... o Claudiosmar, seu ‘melhor amigo’, está, neste exato momento, se masturbando pensando na Ceziane. É provável que ele chegue nela antes de você. É provável que você se esquive quando ele vier te contar que a está ‘pegando’. É provável que você ache legal da parte dele te contar isso. Numa comparação, porque parece que você só entende as coisas ilustradas, é como se alguém enfiasse os dedos nos seus olhos só pra saber como é o prazer de fazer isso, e você ainda deixasse!! O Tibúrcio disse ontem, bem atrás de você, e é bem possível que você tenha escutado e, na sua covardia estonteante, tenha fingido que não ouviu, ele disse que sua calça é um número maior do que os 36 que você usa e que sua bunda desaparece com a camisa frouxa, mal disposta nas suas costas. Mas ele não disse por brincadeira, fazendo troça como fazem os amigos. Disse isso porque é importante para ele humilhar alguém pior do que ele, alguém que esteja num patamar mais raso que o dele. Você é essa pessoa educada, humilde, ‘gente-fina’, faz tudo o que te mandam, tudo. Incrível como ainda não te chutaram a cara, o tanto que você erra quando faz aos outros. Já reparou que a palavra que você mais usa é ‘desculpa’? Você se desculpa por tudo e com todos. Imagino que já tenha passado pela sua cabeça pedir desculpas a alguém por você existir, mas não, você não tem essa capacidade de reflexão ou noção de se autopunir para atingir um outro patamar. Você está na sombra, fora do radar das reprimendas do crescimento. Você está na sobra. Você está no canto cinza da existência, no morno, resultando todos os dias da ingratidão humana frente a seus inúmeros desafios. Mas você não é vítima. A vítima é o resultado de uma injustiça. Você se sacaneia. Você se sabota. Você cria todas as condições necessárias para a humilhação diária. Essa é a sua única casca: a sensação de resistir a insultos e mágoas sem se ferir profundamente. Ironicamente, o que te salva é exatamente o que te torna tão pueril e diletante.”
Depois disso eu fiquei meio aéreo; resolvi por um lençol azul desbotado que eu peguei na casa da minha mãe sobre o espelho de bordas alaranjadas. Que droga, eram cinco pras sete e eu tinha que entrar às sete e meia na terça, porque era dia de balanço. Cheguei atrasado quase trinta minutos e o Márcio me deu um esporro daqueles. Acho que preciso acordar mais cedo.


sábado, 4 de junho de 2011

texto do outro

Abaixo eu reproduzo o texto de um dos meus mestres (e olha que ele nem foi meu professor formal!) Alexandre Costa sobre o debate acerca do livro do MEC. Já me posicionei sobre o assunto, mas ele fala com a propriedade que lhe cabe como linguista. 

A 'inguinorança' dos puristas hipócritas
A polêmica sobre a aprovação do MEC à distribuição de um livro que incentivaria os "erros de português" tem mais "equívocos" do que aqueles que possam ser encontrados na obra. A ignorância sobre a questão passa pela absoluta desinformação sobre o que seria, de fato, "erro", "gramática" e "uso" e mesmo a tal "unidade da língua nacional".


Assim, por exemplo, quando a obra afirma que seja possível falar "os livro" ou "nós pega os peixe", não estaria, em princípio, incentivando que as pessoas cometam "erros", mas assumindo um fato que é cientificamente provado há décadas pela linguística brasileira. Todos os falantes da língua portuguesa brasileira cometem tais "erros" na fala. Nos dois exemplos, há erros de concordância apenas, e somente de concordância de número.

As línguas são redundantes, ou seja, todas têm a propriedade de repetir elementos formais e semânticos para compensar o "ruído" que possa dificultar a comunicação. Por isso que qualquer falante do português encontrará a marca do plural nestas frases: 1.as casas verdes são maiores; 2. as casas verde são maiores; 3. as casa verde são maiores; 4. as casa verde são maior; 5. as casa verde é maior.

Nenhum falante eliminará a marca de plural do artigo e algumas das frases são menos produtivas, quer dizer, mais improváveis, sobretudo a de número três. O uso da língua funciona de modo complexo e regular e nenhum dos exemplos é mais complexo do que o outro, são apenas diferentes. A ideia de que uma determinada variedade idiomática seja melhor do que outra é milenar e advém da identificação da língua oral à língua escrita, com privilégio para a segunda. Esse fenômeno tem a ver com o uso da escrita para o registro de textos sagrados e legais, ou seja, diz respeito ao valor simbólico dos discursos religiosos, políticos e jurídicos, cujos efeitos se impregnaram na língua escrita.

No entanto, em todas as épocas e lugares, "uma língua" sempre funciona, na realidade, como "várias línguas". No nosso caso brasileiro, e de modo muito simplificado, o português que nos chegou foi resultado da variação diacrônica do galego que também passa pelo espanhol. Aqui já estavam os povos indígenas e, durante séculos, foram faladas em nosso território as chamadas línguas gerais: misturas de várias línguas indígenas e de variedades do português de Portugal. Depois vieram os escravos e migrantes, e a língua portuguesa do Brasil nunca foi e nunca será a de Portugal (aliás, é a língua portuguesa de Portugal que tem ficado mais "brasileira" pela influência da mídia...).

No entanto, até bem pouco tempo, insistia-se na colocação pronominal portuguesa em detrimento da brasileira. Hoje em dia, basta assistir televisão para ver que no Jornal Nacional isso permanece como regra. Seus repórteres dizem cotidianamente "Me contaram", "Nos informaram", "O prenderam" e ninguém escreve cartas ou artigos sobre a recorrência dos "erros de colocação pronominal" na mídia.

Um "erro grave" é sempre o "erro do outro". Em Goiânia, se escuta "nós vai" com tanta frequência como se ouvirá, em Porto Alegre, "tu fez". Mas não se escreve assim nos jornais. Isso é um fato. Outra coisa, bem diferente, é o modo como a escola deve tratar a relação entre a língua escrita e a falada no processo de aprendizagem da comunicação pública e, sobretudo, no estudo da ciência e da cultura.

A modalidade oral é anterior na nossa formação social. Aprendemos a falar interagindo com a família e o mundo. Aprendemos a falar agindo, e nenhum pai, em sã consciência, fica corrigindo os "erros de português" de seu filho nos seus primeiros anos. Haverá, claro, aquele que passará a fazê-lo mais tarde, sem perceber que comete os mesmos erros de vez em quando. Corrigir o português do outro é uma perversidade atávica que herdamos de nossa origem colonial: há um prazer maldoso em subjugar a fala do outro.

No processo de formação escolar, os estudantes têm de conhecer e aprender a língua padrão escrita para ter acesso aos já citados discursos privilegiados da cultura, da religião e da ciência. Isso já está posto em nossos currículos desde a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais, cuja formulação envolveu estudiosos de todo o País. Mas a correção gramatical não é o primeiro nem o mais importante fator para a aprendizagem da língua padrão. Antes de aprender a "não errar", precisamos aprender a "acertar".

Os estudantes necessitam de motivos para estudar. O acesso à leitura e à escrita deve dar-se em atividades significativas cujo valor os leve gradualmente ao mundo adulto e público. Nenhum adolescente vai interessar-se por um texto machadiano se nunca refletiu sobre si mesmo; nenhum aluno vai gostar de ler Grande Sertão: Veredas , se não refletiu sobre a beleza da variação linguística. Além disso, para aprender a ler e a escrever é preciso aprender a falar e a escutar. Mas não "corretamente" apenas: é preciso aprender a falar, escutar, ler e escrever "atentamente".

A correção gramatical só é relevante quando vem por último: primeiro, é preciso falar muito, escutar muito, ler muito e escrever muito; depois, é preciso refletir sobre os modos e os sentidos dessa atividade linguística, e suas possibilidades de expressão; e só mais tarde haverá razão para usar a metalinguagem gramatical como ferramenta para a aprendizagem da língua padrão. Sim, a aprendizagem gramatical é importante. Aliás, seu valor é mais relativo à lógica e à estrutura da linguagem e do conhecimento do que à mera "correção linguística". Ninguém precisa estudar gramática para aprender a falar ou escrever corretamente: basta ouvir e ler e consultar dicionários - e decorar... É isso que a maioria dos "campeões da correção linguística" faz: decoram. Apesar de honrosas exceções, não sabem gramática nem como tradição nem como ciência. Suas apostilas, na maioria dos casos, são cópias de boas gramáticas tradicionais.

Enfim, aceitar que se fale ou que se escreva com "erros" - ou melhor, com padrões de concordância da fala, neste caso - não significa que se deva deixar de, em algum momento, e de modo produtivo e adequado, ensinar a variedade padrão escrita e a oralidade letrada padrão. Aprender a usar a língua e a conhecer o mundo da cultura que nela se encontra e se constitui é algo muito mais complexo do que questões de ortografia ou concordância.

A "grande polêmica" sobre o tal "incentivo ao erro de português" aprovado pelo MEC só impressiona a quem não conhece os verdadeiros problemas da educação brasileira. Os mais ferozes e vorazes debatedores, via de regra, nunca pisaram numa escola pública de periferia. Mais do que desinformado, esse debate é hipócrita.

A linguagem é a peça-chave do processo educativo e envolve questões, problemas e métodos absurdamente mais complexos do que esse tipo de debate enseja. Vá à escola do seu filho e pergunte a professores, coordenadores e diretores sobre o planejamento interdisciplinar e transversal da escola. Se a disciplina de língua portuguesa não estiver no centro dessas atividades, caso elas existirem, é sinal de que seu filho está perdendo os melhores anos de sua vida com atividades burocráticas e emburrecedoras.

Não há nada, enfim, a reprovar na obra aprovada pelo MEC, pelo menos com relação às críticas feitas. Se existe algum problema a ser debatido é o fato de alguns formadores de opinião divulgarem e promoverem a desinformação.

domingo, 8 de maio de 2011

pq atheneu facts

Bem, com o único objetivo de trollar meus amigos que moram longe (ou se entocam, como preferirem), mais especificamente num bairro afastado de Goiânia (duplo sentido on), o incrível Parque Atheneu, criei uma hashtag no Twitter intitulada Parque Atheneu Facts. Seguem agora todos os fatos sobre esse nobre e longínquo bairro goianiense que faz fronteiras continentais. A brincadeira é saudável e muitos habitantes dessa ilha gostaram da ideia e me mandaram algumas pérolas, como "O Pq. Atheneu é tão longe, mas tão longe, que a AIDS nem chegou lá ainda, ficou no HDT." Fazendo referência ao hospital que fica próximo à entrada do condomínio. 
Um cheiro pra vocês. Apreciem e retuítem.
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Percebam o tamanho e isolamento desse bairro forever alone



·         O pq Atheneu é tão longe, mas tão longe, que o ônibus coletivo pra lá tem banheiro. 
·         O pq Atheneu é tão longe, mas tão longe, que lá tem sotaque próprio.
·         O pq Atheneu é tão longe, mas tão longe, que a saída pra São Paulo lá é conhecida também como entrada pra São Paulo.
·         O pq Atheneu é tão longe, mas tão longe, que a venda da esquina fica na linha do Equador.
·         O Pq. Atheneu é tão longe, mas tão longe, que a população lá não é bairrista, é patriota. 
·         O Pq. Atheneu é tão longe, mas tão longe, que enquanto Goiânia era planejada, lá estava sendo descoberto.
·         O Pq. Atheneu é tão longe, mas tão longe, que as pessoas de lá se cumprimentam usando a saudação romana "ave!".
·         O Pq. Atheneu é tão longe,mas tão longe, que o filme "Os mercenários" foi filmado metade no Brasil e metade no Pq. Atheneu.
·         O Pq. Atheneu é tão longe, mas tão longe, que Judas achou lá suas botas.
·         O Pq Atheneu e tao longe mas tao longe que os computadores de la com acesso discado nao tem acento ou pontuacao
·         O Pq. Atheneu é tão longe, mas tão longe, que o clima tenso no Oriente Médio afeta as vizinhanças do bairro. 
·         O Pq. Atheneu é tão longe, mas tão longe, que a grandeza "pra caralho", que tende ao infinito, foi criada numa viagem de ônibus pra lá.
·         O Pq. Atheneu é tão longe, mas tão longe, que lá tem comidas típicas.
·         O Pq. Atheneu, na verdade, nem é tão longe assim. #PrimeiroDeAbril 
·         O Pq. Atheneu é tão longe, mas tão longe, que esqueci uma agenda 2010 lá e, quando fui buscar, já estávamos em 2011.
·         O Pq Atheneu é tão longe, mas tão longe, que dá pra comprar muambas paraguaias por lá apenas atravessando uma rua.
·         O Pq. Atheneu é tão longe, mas tão longe, que as imagens ao vivo feitas lá têm delay ao aparecer no telejornal de Goiânia.
·         Gente, entenda: eu não odeio o Pq. Atheneu, só estou listando uns pontos pra justificar a nossa ida até lá. Ou o fato de lá ser habitado.
·         O Pq. Atheneu é tão longe, mas tão longe, mas tão longe, mas tão longe, mas tão longe, mas tão longe, mas tão longe, mas t...
·         O Pq. Atheneu é tão longe, que Julio Verne quando escreveu "A volta ao mundo em 80 dias" tinha pensado no Pq como enredo.
·         O Pq. Atheneu é tão longe, mas tão longe, que lá tem bandeira e hino próprios.
·         - Ondcê mora? - Lonj pa caraio. - Pq. Atheneu? #diadapoesia
·         O Pq. Atheneu é tão longe, mas tão longe, que o ensino lá é a distância. 
·         O Pq. Atheneu é tão longe, mas tão longe, que os parqueatheneuenses são também conhecidos como imigrantes.
·         O Pq. Atheneu é tão longe, mas tão longe, que os animais de lá não receberam nome científico ainda. 
·         O Pq Atheneu é tão longe, mas tão longe que tem uma nova operadora de celulares chegando por lá: Americel 
·         O Pq Atheneu é tão longe, mas tão longe, que os números de telefone lá só têm sete números.
·         O Pq Atheneu é tão longe, mas tão longe, que estão estudando cobrar pedágios nos dezoito quebra-molas, da cidade até lá.
·         O Pq Atheneu é tão longe, mas tão longe, que a quarta-feira de cinzas cai na sexta lá.
·         O Pq Atheneu é tão longe, mas tão longe, que se o mundo fosse quadrado, lá ficaria numa quina. 
·         O Pq Atheneu é tão longe, que quando você está indo pra lá, quando chega, já está na hora de voltar. (E vc está atrasado)
·         O Pq Atheneu é tão longe, mas tão longe que para chegar lá é preciso passar pela alfândega. 
 O Pq. Atheneu é tão longe, mas tão longe, que quem decide ir morar lá precisa de green card.