terça-feira, 22 de abril de 2014

os olhos declarados

Depois de quase um ano sem postar aqui, segue um conto fantástico inspirado.... bem, não vou contar, rs.

Já considerava aquilo um ritual. Todos os dias, assim que chegava do colégio de tempo integral, o jovem Narciso (que nada em comum tinha com o mito grego) entrava para o quarto alegando estudar para, na verdade, dedicar-se a outra atividade. Prevendo que poderia ser interrompido pela mãe ou pela irmã mais nova, ele deixava os livros abertos bem próximos de onde se posicionava, caso precisasse provar sua desculpa.
Todos os dias era a mesma coisa. Por morar em um condomínio de luxo, havia muitas casas grandiosas perto da dele, onde garotas revezavam-se nuas em seus quartos depois ou antes do banho. Ou mesmo preparando-se para dormir ou levantar. Ele conhecia o horário de todas. Marcinha, às 19h, tomava seu banho religiosamente. Às seis da manhã, Clarice se levantava nua e ia direto ao banheiro antes de ir para a aula. No mais tardar da noite, era Letícia quem tirava sempre a parte de cima na janela, enquanto a parte debaixo ele nunca vira.
Uma casa acabou de ser construída logo à frente da sua. Nela, havia uma jovem que ele não sabia o nome e que, por sorte dele, também se trocava em frente à janela. Ficava completamente nua. Apesar do olhar estranho e nem uma gota sedutor dela, só o corpo o interessava. Com essa tinha de ter mais cuidado. A cortina sempre fechada, apenas com uma fresta aberta. Com ela nem de binóculos precisava, estava muito perto. Na primeira semana, já havia decorado o corpo da garota (de quem ainda não tinha notícia como se chamava). E sempre se acabava em punhetas, dolorosas e excitantes punhetas. Após o gozo, um misto de culpa e ojeriza o dominava. “Estou invandindo o espaço delas? Mas afinal, elas nem sabem que estão sofrendo ‘abuso’! Moralmente eu estou errado... a culpa é delas! Quem manda serem tão descuidadas? Você devia se envergonhar. Eu devia parar com isso. Devia mesmo”. Mas não parava. Ao menos por enquanto, pois nunca tinha beijado uma garota, no auge dos seus dezessete anos. Feio e tímido, Narciso ainda tinha um nome ingrato para um adolescente como ele.
No final de semana não viu sinal da vizinha nova. A impressão que tinha é que ela não dormira em casa. Na segunda-feira, sem muita esperança, foi até a janela no horário em que tinha visto a moça se trocar outras vezes. Dessa vez, ele teve a ereção interrompida. Quando a luz se acendeu e ela começou a tirar a roupa, ele estava de pé, olhando pela fresta da cortina. No entanto, ele avistou alguns móveis de seu próprio quarto dentro do quarto da moça. O primeiro pensamento era o de que ela tinha móveis muito parecidos com os dele. Mas, olhando bem a poltrona vermelha, notava que mesmo o rasgo no braço era idêntico. Ao virar-se para sua própria poltrona, via um clone da que estava na casa da garota. Ainda que ela se demorasse nua na janela, ele não conseguia sentir nada de bom, pois aquela cômoda, aquela poltrona, aquele pufe... aquilo tudo era do quarto dele!
A luz dela se apagou. Ele se sentou em sua cama intrigado e sem qualquer tesão. Sua irmã entrou no quarto. Pegou o livro de química: “Que que foi?!”
No outro dia, ainda muito cismado e sem ter qualquer olhos para suas outras garotas, ele voltou à fenda para ver a estranha vizinha da frente. A luz se acendeu, o quarto era outro, os móveis haviam desaparecido e outros, diferentes dos dele, ocuparam o lugar dos anteriores. Tão logo ele se deu conta disso, começou a se animar com o strip gratuito de todos os dias. Tinha uns peitos duros de adolescente, e grandes como os mamões que sua mãe o punha para comer todas as manhãs. Era muito gostosa. Quando baixou a calcinha, como de praxe, apareceu um pouco acima do ventre um pedaço de pele esticado, como se fosse um calço, em forma de meia lua, cuja parte superior era reta e a parte inferior abaulada, tal um círculo semicortado. Em princípio deu um salto para trás, julgando ver um pênis. Mas observando melhor, enquanto ela amarrava o cabelo com uma liguinha, preparando-se para o banho, aquilo não era nada conhecido por ele. Nunca tinha visto nada parecido e tão intrigante, enquanto ela agia com a naturalidade e bizarrice que lhe eram peculiares. Sentiu um engolfo subindo-lhe à garganta, mas respirou fundo e evitou o vômito. Ao voltar para a janela, ela já havia ido banhar-se. Numa tensão sem igual, ele aguardou os dez minutos que ela dedicava ao banho passarem para ver o membro novamente. Ela voltou com uma toalha embaixo e outra na cabeça quase vinte minutos depois. Aparentemente não havia qualquer coisa por baixo daquela toalha debaixo, tão somente aquela buceta gostosa de todos os dias! Assim que ela secou o cabelo com a toalha, tirou a debaixo e o membro ressurgiu, como uma ereção instantânea de um pênis, mas agora em cor e textura visual de carne viva! Aquela coisa que se parecia um queijo curado agora tinha o aspecto e a cor de carne viva! Ela então olhou para a coisa, alisou-o como um pênis, baixou-o entre as pernas e vestiu a calcinha. O membro, que não era pequeno, muito maior que o dele, por exemplo, desaparecera sob a lingerie e a garota estava novamente gostosa, como de costume. Ao olhar para seu membro, encolhido como se nevasse, sentiu novamente um engolfo forte vir à tona. Dessa vez o gosto salgado prenunciou o vômito de estômago vazio do rapaz sobre o assoalho. De joelhos, ele cerrou os olhos e bateu com o punho no chão. Aquilo não poderia estar acontecendo!
Na escola, nem olhava para os colegas, nem para as garotas, nem para os professores. Ele andava como um morto-vivo pelos corredores e pátio. As aulas esvaíam-se pelos seus ouvidos moucos. Não respondia nenhuma pergunda de professor com outra coisa que não um “não sei” próximo ao catatônico.
Ao chegar em casa, subiu para o quarto numa estranha força de curiosidade e repulsa. Não olhou a Marcinha. Não tinha olhado a Clarice. Queria ver novamente a estranha. Era assim que a chamava. Sua mãe havia comentado mais cedo, no lanche, que a conhecera, que ela era como ele, quieta, tímida, mas boa menina. Chamava-se Susie, “nome de boneca”, riu a mãe balzaquiana. “Estranha”, disse Narciso. “Estranha? Por que diz isso? Por acaso pelo menos já conversou com ela alguma vez?”, “o virjão nunca conversou com nenhuma garota, mãe, ahahah”, debochou a irmã. “Cala a boca! Não se mete na minha vida!!”. “Calma, filho!”. “Calma uma porra!” e deixou o bauru pela metade com o copo de leite intacto. A mãe sussurrou com a filha que mais tarde conversaria com ele, que deixassem-no ir, paixonite adolescente tinha esses rompantes às vezes. A estranha demorou mais que o de costume a aparecer. Quando acendeu a luz do quarto, tinha já os olhos focados nos dele. Narciso se assegurou de que estava invisível por trás da cortina, mas parecia que os olhos dela penetravam os dele. Então, como se o visse claramente, ela fechou as cortinas quase completamente, antes de se despir. Aparentemente com esse propósito, ela apenas deixou uma frincha aberta, por onde parecia observar o que se dava no quarto da frente. Sem nada entender e com um pavor incomum percorrendo sua espinha, sentia-se ele, agora, observado pela garota. Mesmo estando completamente seguro de que suas cortinas black out o protegiam, ele se sentia totalmente observado. Invadido. Perscrutado em sua intimidade. E, vestindo apenas uma bermuda, tomou uma atitude inédita, começou a abrir as cortinas, com raiva, com força. E, depois de escancaradas, começou a se despir, olhando para a frincha da cortina dela, como um violentador. Tomado de um desejo de agressor, começou a tirar a bermuda com violência, ficou só de cuecas olhando para a vizinha, que ele não via, mas certamente estava lá. Então segurou o saco e o pinto, por cima da cueca, e chacoalhou. Não era uma masturbação, era como se dissesse “tenho colhões! Não tenho medo de você, aberração!”. Andando de um lado para o outro da janela, ele olhava impacientemente para a cortina da vizinha.
Um clarão. Uma forte luz, como a de um relâmpago, inundou seus olhos instantaneamente. Atordoado pela cegueira repentina, com uma das mãos pra cima, no rumo do rosto, aos poucos abria os olhos e esperava retornar do atordoamento do flash. “Que porra é essa??”, perguntava-se irritado. Sentou-se na cama enquanto paulatinamente as cores e as formas voltavam à sua vista. Respirou fundo e, quando olhou para fora, viu exatamente a mesma cena que ocorria em seu quarto. Era como um espelho gigante colocado no quarto da estranha. Como num desenho animado, balançava a mão e mexia a cabeça, observando seu outro eu fazer o mesmo do outro lado. Ora o quarto tinha os mesmos móveis, ora ele parecia ver embaçados os móveis dela. Mais curioso que temeroso, ele continuava procurando por algo. Até que viu a garota surgir atrás do seu outro eu, no quarto dela. Ela estava linda, muito diferente dos outros dias. Completamente nua e com um olhar lânguido, com os lábios carnudos sugerindo, sugerindo. A cabeça pendia levemente para trás. Enquanto se aproximava dele. Ele manteve-se imóvel, como fazia quando observava as garotas de seu minarete. Ela então o alcançou e o enlaçou em seus braços tenros. Ele podia sentir aqueles peitos duros, aqueles bicos deliciosos encostarem em suas costas. Aos poucos uma ereção rochosa empedrava seu pau, enquanto ela o abraçava e mordiscava suas costas, seu pescoço, sua nuca. Completamente envolvido por aquela garota, que agora parecia mais uma mulher, dada toda a naturalidade e experiência com que agia, ele se deixava tomar por aquele desejo acumulado que só se esvaía em poucas gotas de seu esperma, liberados cotidianamente pelas punhetas. O resto do desejo estava ali, contido naquele corpo franzino de gente tímida e deslocada. As mãos corajosas dela percorriam-lhe o corpo, as pernas, a bunda, o peito, o abdome. O pau entumescido. Então ele criou coragem e começou a agir naturalmente, virando-se, de olhos fechados e manobrando as mãos pela cintura daquela monumental mulher. Seus lábios tocaram os dela, como se ele soubesse o que fazer. E, por alguns segundos, o medo (ou o estarrecimento) deu lugar a uma postura de amante, de homem determinado.

Mas o beijo não era bom. Tinha cheiro. Tinha gosto de carne crua. A saliva não era boa. Aos poucos então foi abrindo os olhos. Tinha clareza: era a mesma mulher que estava diante dele, a que ele tinha visto no quarto dela. Mas essa era toda de carne, sem pele. Quando olhou pras mãos ensebadas daquela carne de cobra, afastou-se dela num átimo. Ao olhar para seus olhos, teve certeza de serem os mais bonitos e os mais bizarros que já vira em toda sua vida. O entumescimento do pau tomava conta agora da pélvis, das extremidades das mãos e dos pés. Uma última olhadela pra baixo confirmava seu peso e sua imobilidade. Ao tentar gritar, por dentro de si crescia um cimento. Seus olhos secaram antes de a visão esmaecer e a respiração parar. Tornara-se mais uma estátua daquela colecionadora maldita.