quarta-feira, 5 de novembro de 2008

cego

Juliane Moore, guiando os cegos pensados por Saramago


Ensaio sobre a cegueira me acordou – novamente – para o Saramago. Eu não poderia dizer se foi boa ou má a adaptação da obra, uma vez que não li esta, especificamente. Mas poderia dizer que Saramago estava ali, na voz de Juliane Moore e na direção de Fernando Meirelles.

Também não senti necessidade de classificar o filme como drama, ou como suspense, ou como humor negro (não, isso não é típico do Saramago), ou... eu não senti, porque o filme é. Simplesmente é.

Enquanto as pessoas ficam cegas, apenas uma, num antro dos que não vêem, enxerga. Essa talvez seja sua pior condenação: ver o que fazem os cegos de então.

As alegorias pululam na tela e nas falas, algumas vezes ditadas por uma espécie de narrador que um dia vai voltar a ver. Mas não, ele é personagem e tem seus melhores momentos de velho quando fica cego junto com a multidão. Dá a entender que a vida na cegueira branca é melhor, pelo menos a sua.

O filme é intenso, é tenso, é teso, é a tez de Saramago pelo olhar publicista de Meirelles. É a tese do perder para ganhar. Filme muito bom de assistir com a caneta e o papel do lado. Os bons versos não se perdem, tal como os bons vinhos ou os bons carros.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

rockNrolla


RockNrolla não inova. É mais um filme de Guy Ritchie. Tem trocentos personagens, alguns idiotas, alguns inteligentes, muito mais homens do que mulheres. Dinheiro, coincidências, armas, drogas. Sério mesmo, não tem nada de novo.

Talvez por isso ele mantenha, portanto, a engenhosidade do diretor de ligar as coisas, como sempre faz, e a gente adora. Fui ao cinema e quero ir outra vez. Depois quero comprar o filme.

O filme segue a trilha de seus dois melhores longas Snatch – porcos e diamantes e Jogos, trapaças e dois canos fumegantes. Um cara deve a outro. O outro quer garantir uma licença pra construir um prédio, já que é isso que tem dado dinheiro em Londres. Utiliza seus contatos políticos para fazê-lo a um russo, um outro é enteado de um deles. Um quadro é roubado. Inicia-se uma pendenga.

E você ri. Porque o filme é muito engraçado. Mas é aquele humor britânico, negro, sofisticado, sarcástico, com apenas o canto da boca.

Não vou falar mais, mas preste atenção à cena de Jhony Quid tocando piano num pub e filosofando sobre um maço de cigarros. A cena tem um texto magnífico. Guy Ritchie tem um texto magnífico.


Desespero, angústia, holocausto, síndrome do pânico, dor na alma, susto, distorção da realidade, falta de auto-aceitação, medo, horror, distúrbio, transtorno, incredulidade, falta de amor próprio, incompreensão, não aceitação da realidade, auto-depreciação, falta de sexo, falta de dinheiro, falta...

Algumas dessas palavras ajudam a compreender o mais famoso quadro do pintor norueguês Edvard Münch, O grito, da última década do século 19. Porém, seria reduzir a beleza dessa pintura a um monte de palavras negativas e que só remetem ao pior do ser humano. Melhor é observarmos o trabalho artístico, aonde ele conseguiu chegar.

Melhor é vermos como a imagem pode ainda ser mais angustiante quando feita num sistema de pintura chamado xilogravura. Nesse processo, o artista encrava na madeira os espaços que ele deseja ficar brancos na tela e deixa os relevos para ser pintados, fazendo assim um “carimbo”. Ele, então, passa tinta nessa matriz, aplica sobre a tela, coloca numa prensa e, aí sim, temos o quadro. No caso da ilustração acima, é uma reprodução muito fiel e triste do Grito de Münch, talvez ainda mais perturbadora do que o próprio desenho original.

Aproveita.