segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

histórias extraordinárias

      Não tenho medo de confessar que comecei a ler tarde. Nem que conheço muito pouco ainda de tudo o que tenho vontade de ler. Ainda restam muitos "clássicos" e outros nem tão falados assim, mas igualmente importantes. Estou no meio do meu processo de formação como leitor e tenho orgulho de ter consciência disso, como aquela neurocientista que teve um derrame e tentou sozinha racionalizar o que acontecia com ela. Assista ao vídeo (1 e 2), é muito divertido e bonito.
      Edgar Allan Poe era, para mim, um clássico que eu precisava ler, sobretudo porque sou um apaixonado por literatura fantástica e ele é seminal nisso e na literatura policial, como se pode ver no conto "A carta roubada" e "Assassinatos na rua Morgue" (este não tem na minha coletânea), ambos com o investigador Dupin, uma espécie de pré-Sherlock Holmes. Se Poe não tivesse morrido tão cedo, quem sabe não tivesse escrito mais histórias como as citadas e Dupin não fosse tão famoso como o investigador inglês. O certo é que "A carta..." é muito instigante. Quando assisto a minhas séries policiais, tenho aquela mesma sensação ao ler o conto. A diferença é que na literatura nós é que dirigimos a história, e nossa imaginação é responsável por todo o processo de criação - junto ao texto.
O primeiro conto da coletânea, "Ligéia", me deixou chateado. Esperava algo mais pungente e curioso. É soturno, e num romantismo de lirismo meio insosso encheu um pouco minha paciência. Impressão que foi desfeita na maioria dos contos seguintes.
Notei que os narradores de Poe nessa coletânea são todos personagens e contam suas histórias sob a perspectiva da primeira pessoa, o que nos aproxima dos acontecimentos narrados. Gosto da primeira pessoa, mas queria ter lido algo dele em terceira também. Às vezes é coisa do autor. O Saramago gosta de explicar os nomes dos personagens no começo de suas obras e sempre há cães nelas. Estilo.
      "Gato preto" é um clássico que eu já tinha lido há muito tempo. Lembro que na época a sensação que me causou foi de estranheza. Dessa vez, a releitura foi rápida, deglutiva, rascante e deliciosa no desfecho. Era isso que funcionava! Esse conto é recomendado pra todo mundo que gosta de histórias mais macabras e bizarras. Dá vontade de reler trinta vezes.
      Um dos contos que mais me chamou a atenção foi "O sistema do doutor Alcatrão e do professor Pena". Tenho um gosto especial por histórias de hospício desde a leitura do clássico "O alienista", do Machadão. E, óbvio, é inevitável fazer a intertextualidade entre os dois contos. Aliás, impossível também não se lembrar do ótimo e trágico "Só vim telefonar", do García Marquez em seus Doze contos peregrinos. Vale a leitura dos três. Aquele ambiente, o discurso "não estou louco" e a vulgar conclusão "todos estão loucos" não tira o brilho de nenhum deles, e o de E.A.P. é bem divertido.
Capa da versão da Cia. das Letras
      "O poço e o pêndulo" é outro nome-fácil dessa leva de literatura e vale ser lido inúmeras vezes também. Que incríveis as imagens de games como "Resident evil" ou "God of war" podem ser resgatadas lendo essa história. Macabríssima.
      Gostei excessivamente de "O escaravelho de ouro", pois passei parte da leitura lembrando do "O escaravelho do diabo", obra de Lúcia Machado de Almeida, da clássica série Vaga-lume, que muitos de nós lemos nos anos 8tenta. Em comum com a obra infanto-juvenil, um escaravelho, uma história de mistério que tem uma reviravolta muito bacana no clímax. Nada que não vejamos hoje no Law and Order: special victims unit, mas pra época aquilo era soberbo. Foi das histórias que mais gostei, destaque para a engenhosidade do autor para pensar em tudo aquilo e fazer todos aqueles cálculos. Eu admiro escritores da literatura que sacam de matemática.
      "William Wilson" também é bem estranha e desperta bastante curiosidade no leitor por ter o personagem um tipo de sósia que o persegue e o irrita na mesma medida que o complementa. Desfecho muito bom.
      Demorei meses na leitura das dezoito histórias extraordinárias de Poe, pois como gosto sempre de fazer, leio devagar, no meu tempo, sem pressão ou obrigação. E posso assegurar, ler assim é muito melhor que obrigado, como ocorre com meus pobres vestibulandos. 
      Ó, a versão que comprei dessa obra é da Cia. de bolso, cujos livros são mais baratos, têm boa diagramação e páginas amarelinhas que não cansam a visão. Pra todos que gostam de uma esquisitice em primeira pessoa, aconselho buscar os contos na net (são domínio público, não tema os direitos autorais) ou mesmo adquirir a obra, já que é barata e ler em papel é melhor e mais saudável que no browser. 
      Vai lendo! Próxima resenha deve ser do Rubem Fonseca, comprei uma pá de livros desse velhote de mente pervertida.