quarta-feira, 10 de setembro de 2008

contoVI

Volta pelo bairro (mau menino)

   Era domingo. Dia de churrasco. Dia de encontro da família. Ele era contra. Mesmo porque, estômago fraco, difícil alimento. Saiu às ruas caminhando esquecido de casa, que reciprocamente esquecida dele. Pensou na encruzilhada. Pensou na primeira que viu. E foi lá que virou. Sem rumo, errava pelos embrenhos de seu bairro mediano. Encontrou o carro branco que prometera no seu primeiro dia de raiva adolescente. (num certo dia, ele se cansou de todas as contravenções que vivia dentro de sua casa, de difícil convivência com sua habitual estranheza, e decidiu escolher uma coisa pra fazer quando estivesse puto, pra ver se conseguia sair do lugar comum que permeava sua vida, e então decidiu quebrar o vidro de um carro branco quando encontrasse este, simplesmente pra cometer uma delinqüência maior que a contradição de sua vida, sem pensar no que poderia acontecer depois disso) Quebrou o vidro rápida e discretamente com uma telha da construção da própria casa de quem o carro parecia ser pertence. O alarme soou, ele saiu caminhando um pouco aliviado. O velho zelador do prédio em frente viu tudo e pensou esclerosado que o menino estaria louco. Isso tudo depende muito de referencial.

Encontrou a menina da rua de cima. Sentiu um ódio incontrolável por ela, já que trajava um short curto, com as belas pernas torno-bronzeadas e uma barriga muito bonita pra um domingo de cerveja e comidas pesadas. Não teve dúvida em estuprá-la. Mas pensou que o sol daquela quente tarde não o deixaria à vontade. Ela olhou-o de cima a baixo, aquele semblante não era o usual do menino tímido da rua debaixo. Com o punho direito fechado, ele deu um soco seco em seu seio esquerdo, deixando-a sem ar e dolorosamente assustada; ele passou direto e a amiga que estava ao lado dela, por causa do chofre, não soube o que fazer, pois que aterrorizada.

Em sua caminhada insurrecta, os níveis de adrenalina do garoto deveriam estar muito altos, já que não era muito comum ele sentir aventuras correndo pelo seu ignóbil sangue amaldiçoado. Mas não estava satisfeito ainda. Precisava ver quanto tempo conseguiria ficar imune. Subiu a rua adjacente à que estava. Passou diante de uma casa, não tinha carro, era um varal e uma mulher estendendo ou retirando as roupas de lá. Foi-se à sua testa um pedaço de tijolo que abriu o supercílio antes de ela cair desacordada no chão. Um bêbado logo adiante achou estranho aquele movimento e chegou a murmurar qualquer coisa pra ele. Curiosamente o bêbado foi poupado, já que os atos cometidos eram covardes. Mas não eram covardes porque o menino era covarde. Eram covardes porque assim ficava mais fácil fazer mais coisas sem enfrentar problemas. Só um tapa na cabeça do ébrio sentado adiante.

Já estava perto da esquina e o boteco que nela se encontrava estava abrindo as portas exatamente a uma e meia. O dono do bar estava só e tinha colocado apenas duas mesas lá fora. Quando de costas assentou a terceira mesa, recebeu uma cadeirada no dorso que o fez prostrar-se, não dando tempo sequer de saber o que estava acontecendo; eis que recebeu uma segunda cadeirada que pegou metade na nuca, metade nas costas, colocando o homem no chão com um grito oco de dor. Ao acabar o serviço, a fúria ainda pisou a mão do comerciante estendido. Já não era o bastante para tanta sedição?

Ele ainda derrubou um menino de bicicleta com um chute, bateu na cara de uma velha que reclamou o machucado da criança, deu um soco no nariz de um amigo de infância que com ele ingenuamente topou, chutou a boca de um cachorro de rua que dormia na sombra de uma árvore, aterrorizou crianças jogando lâmpadas fluorescentes, encontradas num lixo, dentro da casa delas, até que concluíra o quarteirão, dando de frente com uma súcia de populares com pedaços de pau, pedras e muita revolta nos olhos de sangue.