segunda-feira, 7 de julho de 2008

nariz

De férias, só consigo pensar em besteira. Cabeça vazia, youtube do diabo. Apesar das manifestações positivas em relação aos meus contos, o que muito me alegra, decidi publicar essa crônica sobre um assunto muito pertinente, pois que cotidiano. Espero que gostem e que façam bom uso.
Tem gente republicando (não de república, per favore) meus textos. Só peço que digam de quem é. Tem um monte de texto rodando na net com o nome do Veríssimo, do Jabor, do Neruda, da Lispector, sendo que na maior parte das vezes eles não escreveram nada daquilo. Então, pra isso não acontecer, quem quiser passar meus textos pra frente, sem problemas, só avise de quem é.
Abraços e boas férias a todos. To indo pra roça jogar playstation. Contraditório? Sempre. Sou demasiado humano pra fugir disso.

Naso riste fingers

Antes fosse apenas um hábito, mas não, é um ato filosófico. Ninguém acredita muito quando falamos nisso, pois trata-se de escatologia. Mas é verdade. É um dos momentos mais serenos que temos no nosso dia-a-dia, um momento de meditação e auto-conhecimento e que pouca gente enxerga dessa forma, por puro preconceito: colocar o dedo no nariz.

Tem hora certa pra isso acontecer. Normalmente, em locais e ocasiões solitárias, colocamos o dedo no nariz a fim de, antes de simplesmente fazer a limpeza do salão, fazer uma pequena reflexão. Na verdade é a hora da abstração. Ninguém se concentra para tirar uma cutia do nariz. Nisso, a meditação e as tiradas de meleca são muito parecidas. Enquanto se leva o dedo à venta, todos os pensamentos parecem ceder lugar ao nada, ao abandono, ao silêncio, ao gosto, ao prazer, ao deleite, à profunda e sincera atitude de arrancar a nhaca grudada às paredes nasais. É o nada que vai ao tudo.

No trânsito, por exemplo, no momento em que somos reprimidos com um sinal de pare, com a cor vermelha que nos indica perigo mas ao mesmo tempo nos incita ao prazer sexual, fatalmente vamos cometer o ato reflexivo da retirada de cacas nasais. É mais comum quando estamos sozinhos, mas pode ocorrer também com pessoas ao lado, vai variar aí o grau de intimidade que essas pessoas têm entre si. Dependendo, pode-se até mostrar ao companheiro o que foi retirado do nariz.

Há vários tipos de ranhos e não cabe a nós, aqui, delongar-nos sobre esses tipos, pois que nos propomos a expor apenas sobre o ato reflexivo da tirada de balaco. Porém, faz-se fundamental apresentar pelo menos os três tipos básicos de resíduos nasais que se nos afiguram todos os dias:

1) Seco-e-rente: este tipo é o mais comum, é o que tiramos todos os dias do nariz. Ele se prende à parede da venta e normalmente, dependendo da dilatação desta, pode ser retirado com o dedão e o dedo indicador, como uma placa, de maneira inteiriça;

2) Misto: este catoco mescla o estado colóide do catarro (nem sólido, nem líquido) ao seco-e-rente. Quando é retirado, normalmente a parte seca sai presa à unha, enquanto a parte colóide fica por cima, geralmente encostando nas bordas do orifício nasal;

3) Colóide: neste caso, a titica está molhada, verde e apresenta – em casos normais fora de doenças como a gripe – pequenos resíduos, frutos da muca antiga que se mantinha colada à parede.

Observados os tipos básicos, pode-se pensar que a atitude de tirar cutias é nojenta, pois que, pequenos, já entendidos de filosofia como nenhum poeta grego, fazíamos isso sem qualquer tipo de pudor ou moral. O que nos é imposto, porém, é que o social não permite as atitudes reflexivas a que nos submetemos todos os dias. Precisamos sempre ser números e, como tais, comportarmo-nos de forma previsível e calculada. Mas somos humanos, precisamos de reflexão, é quesito básico de existência. Ninguém pode sobreviver sem tirar o catarro do nariz, mesmo porque ele se acumula e pode até dificultar a respiração e, conseqüentemente, o raciocínio.

Mas a verdade é que fugimos sempre às regras em alguns momentos, nos permitimos fazer essas coisas, porque o ato da limpeza, como dito, é apenas uma conseqüência. O que se tem, em verdade, é uma insubmissão às regras preestabelecidas todos os dias no momento em que se leva o dedo em riste até a entrada do tubo respiratório. Todos os dias somos revolucionários, todos os dias somos iconoclastas. Mesmo o mais ortodoxo defensor da política católica, direitista, conservadora, mesmo ele vai enfiar o dedo no nariz com muito gosto pra tirar aquela placa de ranho inteira; isto gera uma alegria inenarrável e certamente o leitor deve estar se coçando pra enfiar o dedo no nariz. Pra pensar, pra revolucionar, pra ser alguém.

Pois enfie, leitor, enfie com vontade. Esqueça-se de onde está, esqueça as pessoas, se estiver no ônibus, enfie o dedo no nariz, se estiver na casa da sogra, na frente dela, de mãos dadas com a namorada, libere uma mão e enfie o dedo no nariz, se estiver no escritório, se tem gente na recepção esperando quem quer que seja, enfie o dedo no nariz, se estiver no trânsito, esqueça o seu redor, enfie o dedo no nariz, onde quer que você esteja, enfie o dedo no nariz, não se culpe por isso. É bonito, é forte, é verdadeiro, é iconoclasta! Não se acabrunhe, enfie o dedo no nariz!!! Abandone a moral, os bons costumes, agrida alguém que sempre o achou educado, tire um pedaço molhado e verde na frente dele, deixe encostar propositalmente na venta, pra ficar uma pontinha verde nela. É como ser vampiro e deixar os dentes sujos de sangue pra provar que não há do que se envergonhar. Enfie o dedo no nariz conscientemente e tenha certeza, você será uma pessoa mais feliz.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

contoV




Estou de férias, finalmente. Agora o Bololololog não vai ficar tão desatualizado assim. Eita povim que reclama de eu não atualizar. E o pior é que são sempre as mesmas três pessoas (acho que são as únicas que lêem o que escrevo, eheheheh).

Estou numa fase tranqüila, gripado e com o olho inchado pelo mosquito que bateu nele quando estava de moto com a viseira aberta. Enfim, vcs não têm nada com isso, né? Pois então.
Esse conto foi publicado pela primeira vez no fanzine Demo Cognítio, o melhor de Goiânia (o zine, viu Thamires?). Boa leitura.



Abrupto: vida

Ele passava diante de uma loja de perfumes e a avistou de longe. Irrompendo pelos corredores de lojas do shopping, viu que era ela. "É ela!". Entrou na loja estupefato e a usual saudação da vendedora a qualquer um que entrava lá, deu lugar a um assombramento pela cara hirta do rapaz. Ela balbuciou algo como "pois não?", mas sequer ele ouviu, pois já foi desferindo palavras que pareciam de um louco em pleno surto. Não que isso não se pudesse dizer a seu respeito.

A gente precisa fazer sexo!

Ã?

Sexo, a gente precisa transar.

Tá maluco?

Ele realmente parecia estar maluco, mas parecia, ao mesmo tempo, ter a clareza das coisas, a lucidez dos sãos, a limpeza das águas cristalinas de um rio corrente e gelado, e a determinação de um terrorista.

Segurou na mão dela com alguma força, talvez firmeza seja mais adequado, enquanto ela tentava processar tudo o que ele falava e recendia. Ele tinha um cheiro que se sobrepunha aos da loja dela e se impunha como responsável por ser sexualmente transmissível. Gente é assim. Ela foi ficando sem jeito, as outras duas vendedoras mantiveram-se guardando seus perfumes e cuidando da loja tranqüilamente, enquanto os transeuntes ficavam definitivamente cegos pro que estava acontecendo.

– A gente não pode mais continuar assim, medíocres, discretos, comuns. Olhe nossas roupas, olhe nossas aparências (ele parecia um balconista de pastelaria e ela uma vendedora de loja de perfumes), olhe que vida mais idiota nós estamos levando!

– Mas essas coisas não se resolvem assim... eu não posso simplesmente transar com um estranho,

– Muito prazer, meu nome é Querosene, por isso não, vamos sair daqui agora, a gente tem pouco tempo, por favor, vamos, vamos....

E ia puxando-a pelo braço, que resistia, mais por hábito que por medo. Parecia que os dois concordavam com o momento. Estava óbvio que ela empacava porque nunca tinha vivido nada parecido, não porque não conseguisse entender. Ela entendia. Ela tanto entendia que foi atrás dele. Tanto que saiu da loja de alguma maneira, em pleno sábado, dia cheio, de algum jeito que os dois quase corriam, como marido e mulher indo atrás de seu carro que pegava fogo. Não tinha carro que pegava fogo, eram seus corpos quentes como brasa.

Eles já tinham caminhado de mãos dadas cerca de 50 metros quando ele parou, ela chegou a tropeçar nele e se viram de perto, menos de 15 cm do nariz um do outro. Um beijo resfolegante os atraiu e paralisou o tempo, o som, o lugar. Estavam inaudíveis, invisíveis, intocáveis naqueles segundos de reconhecimento labial e de língua. Foi o beijo deles. Separaram-se e reconheceram-se insanos com aquela estupidez consentida. Quem via os dois correndo podia imaginar que eles tinham destino certo. Não, não sabiam pra onde iam, simplesmente iam, parece que lançar-se-iam no abismo da vida. Parece que sairiam pela vagina de suas mães e dariam o grito da vida, o grito oco, seco, soco que é o máximo do tesão. O primeiro orgasmo é sair da mãe. Eles destruíam a placenta pra saltar no despenhadeiro pedrerrochoso da vida. O que sobraria? O que seria esse sexo que fariam?

No estacionamento do shopping ele se dirigia a passos largos (ele muito mais alto que ela, fazia-a correr) para a parte mais escura, onde luzes queimadas e luziluzentes denunciavam que dentro do centro de compras das luzes que funcionam, das pessoas que são bonitas, das altas somas que são gastas, tudo isso era o mundo idílico, enquanto que no estacionamento os lixos, os odores e as luzes queimadas se pareciam com a verdade do mundo cru da noite: farrapos, almas penadas, pingas, maus cheiros, violências e o que mais existe. Lá num canto ele já estava desabotoando a camisa e colocando-a pra fora da calça. Nem olhava pra trás. Ela estava apaixonada. Seus olhos tinham um brilho estranho enquanto era arrastada como uma mulher das cavernas pelo macho que sentia a hora de procriar e delimitar seu território e suas posses. Assim que ele parou e olhou pra ela, viu aquele brilho incomum conquistado em três minutos e teve certeza de que faria o melhor sexo do mundo.

Pela primeira vez desde que os dois se viram, ele se acalmou enquanto serpenteava o corpo dela com as mãos, à procura da entrada de onde era possível alcançar a alma. Ela tirou toda a roupa e nua em pêlo se entregou ao homem de nome Querosene. Enquanto seus corpos desrespeitavam as leis da física no parapeito do estacionamento superior, seus gemidos começaram a substituir a música ambiente da rádio do shopping.

À medida que as pessoas começavam a ouvir os gemidos intensos, estes aumentavam de volume e de intensidade.

Neste instante, depois de uns dois minutos de afobação daqueles que ouviam o som da vida se fazendo, 1354 pessoas e 136 crianças viram o som do centro comercial desaparecer pra dar eco aos ulos selvagens e destemidos daqueles que acordaram enquanto havia tempo. Luzes começaram a brilhar mais forte, homens ruborizavam-se por suas calças esticando-se, mulheres, pelas pernas que escorriam o líquido lubrificante, e os casais, os que haviam lá, já se entregavam aos beijos sôfregos e desesperados, e as pessoas que não formavam casal, como na brincadeira da cadeira, começavam a se olhar animais, e a agarrar-se uns aos outros, como se a música tivesse parado de tocar e fosse o momento de sentar à cadeira. Até que foi ficando escuro, os gemidos se intensificavam por todos os lados, as lâmpadas, antes brilhando forte, agora se arrebentavam de tanta energia e o mundo se fazia inteiro entregue ao desespero do amor instantâneo; pênis, vaginas, seios, bocas, colos, costas, barbas, ânus: vida.

Querosene quis saber o nome de sua parceira revolucionária, de vida e de morte: "Flamma, me chame de Flamma". E o mundo agora era só fogo e vida quente pulsando firme.