quinta-feira, 16 de outubro de 2008

concretoV

Ando meio quadrado, ultimamente. Retrógrado quase sempre. Moderninho, como nunca. Insatisfeito, tipo todos os dias. Contraditório todas as noites. E concreto, como em 98.





terça-feira, 14 de outubro de 2008

domingo, 12 de outubro de 2008

concretoIII



contodooutro

A insistentes pedidos, sob pena de não mais visitarem meu blog...

Passeio noturno – Parte II

Rubem Fonseca

Eu ia para casa quando um carro encostou no meu, buzinando insistentemente. Uma mulher dirigia, abaixei os vidros do carro para entender o que ela dizia. Uma lufada de ar quente entrou com o som da voz dela: Não está mais conhecendo os outros?
Eu nunca tinha visto aquela mulher. Sorri polidamente. Outros carros buzinaram atrás dos nossos. A avenida Atlântica, às sete horas da noite, é muito movimentada.
A mulher, movendo-se no banco do seu carro, colocou o braço direito para fora e disse, olha um presentinho para você.
Estiquei meu braço e ela colocou um papel na minha mão. Depois arrancou com o carro, dando uma gargalhada.
Guardei o papel no bolso. Chegando em casa, fui ver o que estava escrito. Ângela, 287-3594.
À noite, saí, como sempre faço.
No dia seguinte telefonei. Uma mulher atendeu. Perguntei se Ângela estava. Não estava. Havia ido à aula. Pela voz, via-se que devia ser a empregada. Perguntei se Ângela era estudante. Ela é artista, respondeu a mulher.
Liguei mais tarde. Ângela atendeu.
Sou aquele cara do Jaguar preto, eu disse.
Você sabe que eu não consegui identificar o seu carro?
Apanho você às nove horas para jantarmos, eu disse.
Espera aí, calma. O que foi que você pensou de mim?
Nada.
Eu laço você na rua e você não pensou nada?
Não. Qual é o seu endereço?
Ela morava na Lagoa, na curva do Cantagalo. Um bom lugar.
Estava na porta me esperando.
Perguntei onde queria jantar. Ângela respondeu que em qualquer restaurante, desde que fosse fino. Ela estava muito diferente. Usava uma maquiagem pesada, que tornava o seu rosto mais experiente, menos humano.
Quando telefonei da primeira vez disseram que você tinha ido à aula. Aula de quê?, eu disse.
Impostação de voz.
Tenho uma filha que também estuda impostação de voz. Você é atriz, não é?
Sou. De cinema.
Eu gosto muito de cinema. Quais foram os filmes que você fez?
Só fiz um, que está agora em fase de montagem. O nome é meio bobo, As virgens desvairadas, não é um filme muito bom, mas estou começando, posso esperar, tenho só vinte anos. Na semi-escuridão do carro ela parecia ter vinte e cinco.
Parei o carro na Bartolomeu Mitre e fomos andando a pé na direção do restaurante Mário, na rua Ataulfo de Paiva.
Fica muito cheio em frente ao restaurante, eu disse.
O porteiro guarda o carro, você não sabia?, ela disse.
Sei até demais. Uma vez ele amassou o meu.
Quando entramos, Ângela lançou um olhar desdenhoso sobre as pessoas que estavam no restaurante. Eu nunca havia ido àquele lugar. Procurei ver algum conhecido. Era cedo e havia poucas pessoas. Numa mesa um homem de meia-idade com um rapaz e uma moça. Apenas três noutras mesas estavam ocupadas, com casais entretidos em suas conversas. Ninguém me conhecia.
Ângela pediu um martíni.
Você não bebe?, Ângela perguntou.
Às vezes.
Agora diga, falando sério, você não pensou nada mesmo, quando eu te passei o bilhete?
Não. Mas se você quer, eu penso agora, eu disse.
Pensa, Ângela disse.
Existem duas hipóteses. A primeira é que você me viu no carro e se interessou pelo meu perfil. Você é uma mulher agressiva, impulsiva e decidiu me conhecer. Uma coisa instintiva. Apanhou um pedaço de papel arrancado de um caderno e escreveu rapidamente o nome e o telefone. Aliás quase não deu para eu decifrar o nome que você escreveu.
E a segunda hipótese?
Que você é uma puta e sai com uma bolsa cheia de pedaços de papel escritos com o seu nome e o telefone. Cada vez que você encontra um sujeito num carro grande, com cara de rico e idiota, você dá o número para ele. Para cada vinte papelinhos distribuídos, uns dez telefonam para você.
E qual a hipótese que você escolhe?, Ângela disse.
A segunda. Que você é uma puta, eu disse.
Ângela ficou bebendo o martíni como se não tivesse ouvido o que eu havia dito. Bebei minha água mineral. Ela olhou para mim, querendo demonstrar sua superioridade, levantando a sobrancelha – era má atriz, via-se que estava perturbada – e disse: você mesmo reconheceu que era um bilhete escrito às pressas dentro do carro, quase ilegível.
Uma puta inteligente prepararia todos os bilhetinhos em casa, dessa maneira, antes de sair, para enganar os seus fregueses, eu disse.
E se eu jurasse a você que a primeira hipótese é a verdadeira. Você acreditaria?
Não, ou melhor, não me interessa, eu disse.
Como não interessa?
Ela estava intrigada e não sabia o que fazer. Queria que eu dissesse algo que a ajudasse a tomar uma decisão.
Simplesmente não interessa. Vamos jantar, eu disse.
Com um gesto chamei o maître. Escolhemos a comida.
Ângela tomou mais dois martínis.
Nunca fui tão humilhada em minha vida. A voz de Ângela soava ligeiramente pastosa.
Eu se fosse você não bebia mais, para poder ficar em condições de fugir de mim, na hora em que for preciso, eu disse.
Eu não quero fugir de você, disse Ângela esvaziando de um gole o que restava na taça. Quero outro.
Aquela situação, eu e ela dentro do restaurante, me aborrecia. Depois ia ser bom. Mas conversar com Ângela não significava mais nada para mim, naquele momento interlocutório.
O que é que você faz?
Controlo a distribuição de tóxicos na zona sul, eu disse.
Isso é verdade?
Você não viu o meu carro?
Você pode ser um industrial.
Escolhe a sua hipótese. Eu escolhi a minha, eu disse.
Industrial.
Errou. Traficante. E não estou gostando desse facho de luz sobre a minha cabeça. Me lembra as vezes em que fui preso.
Não acredito numa só palavra do que você diz.
Foi a minha vez de fazer uma pausa.
Você tem razão. É tudo mentira. Olha bem para o meu rosto. Vê se você consegue descobrir alguma coisa, eu disse.
Ângela tocou de leve meu queixo, puxando meu rosto para o raio de luz que descia do teto e me olhou intensamente.
Não vejo nada. Teu rosto parece o retrato de alguém fazendo uma pose, um retrato antigo, de um desconhecido, disse Ângela.
Ela também parecia o retrato antigo de um desconhecido.
Olhei o relógio.
Vamos embora?, eu disse.
Entramos no carro.
Às vezes a gente pensa que uma coisa vai dar certo e dá errado, disse Ângela.
O azar de um é a sorte do outro, eu disse.
A lua punha na lagoa uma esteira prateada que acompanhava o carro. Quando eu era menino e viajava de noite a lua sempre me acompanhava, varando as nuvens, por mais que o carro corresse.
Vou deixar você um pouco antes da sua casa, eu disse.
Por quê?
Sou casado. O irmão da minha mulher mora no teu edifício.
Não é aquele que fica na curva? Não gostaria que ele me visse. Ele conhece o meu carro. Não há outro igual no Rio.
A gente não vai se ver mais?, Ângela perguntou.
Acho difícil.
Todos os homens se apaixonam por mim.
Acredito.
E você não é lá essas grandes coisas. O teu carro é melhor do que você, disse Ângela.
Um completa o outro, eu disse.
Ela saltou. Foi andando pela calçada, lentamente, fácil demais, e ainda por cima mulher, mas eu tinha que ir logo para casa, já estava ficando tarde.
Apaguei as luzes e acelerei o carro. Tinha que bater e passar por cima. Não podia correr o risco de deixá-la viva. Ela sabia muita coisa a meu respeito, era a única pessoa que havia visto o meu rosto, entre todas as outras. E conhecia também o meu carro. Mas qual era o problema? Ninguém havia escapado.
Bati em Ângela com o lado esquerdo do pára-lama, jogando o seu corpo um pouco adiante, e passei, primeiro com a roda da frente – e senti o som surdo da frágil estrutura do corpo se esmigalhando – e logo atropelei com a roda traseira, um golpe de misericórdia, pois ela já estava liquidada, apenas talvez ainda sentisse um distante resto de dor e perplexidade.
Quando cheguei em casa minha mulher estava vendo televisão, um filme colorido, dublado.
Hoje você demorou mais. Estava muito nervoso?, ela disse.
Estava. Mas já passou. Agora vou dormir. Amanhã vou ter um dia terrível na companhia.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

VotarII

Meu programa de tevê predileto passa duas vezes por dia, mas só de dois em dois anos: horário eleitoral gratuito. Divirto-me com as figuras que, entre propostas redundantes, demagógicas e estapafúrdias, alegram esses cinqüenta minutos.
Parece que a hierarquia é também obedecida com o nível das piadas. Do candidato a presidente da República ao candidato a vereador há um caminho longo que é determinado pela quase completa falta de bom senso.
Os candidatos, neste pleito, concorrem à prefeitura e ao cargo de vereador. Prevalece o saco de risada nos programas dos vereadores.
As propostas dos candidatos goianos são mirabolantes. Vão desde a luta pela abertura de escolas de cabeleireiro de uma candidata na periferia (precisando de óleo de peroba, né não?) até o discurso non sense de um cara com nome Ganexa. Ganexa? Puta merda, não deixa! Vão de um professor (como os há) com cara de peixe morto, até um “maluco doido na câmara”. Será que resolve colocar raulzistas na câmara? Penso.
Minha memória política não é das piores. Lembro-me bem em quem votei nas últimas eleições. Fica fácil lembrar quando se vota nulo para quase todos os cargos. E percebo que nessas eleições vai ser difícil, porque o páreo está duro. As propostas são muito semelhantes. Antes os candidatos ofereciam bibelôs e coisinhas sem muita importância; hoje, mais descaradamente do que nunca, oferecem dinheiro através das bolsas criadas legalmente nos últimos anos.
Aquele discurso repetido à exaustão “deve-se dar o peixe, mas, além disso, deve-se ensinar a pescar” não tem sido cumprido. Lembro-me de um prefeito que adorava flores ter dito isso. Agora há outro candidato ao mesmo cargo que também repete o dito. E nenhum programa sério de pescaria nos estados. Só o Lula criou o “Ministério da Pesca”.
É inegável que são homens de coragem. Com uma cara-de-pau dessas, é muita pachorra aparecer/reaparecer para pedir voto a alguém. Aqueles que aqui foram cassados sofrem processos administrativos (entre outros) ou votaram contra os interesses do povo, são comediantes de início de carreira perto desses arautos da piada mal contada que vemos Brasil afora, como Maluf concorrendo à prefeitura de São Paulo mais uma vez. “Rouba, mas faz”, lembram?
Surpreendi-me com um jornal de circulação regional divulgar os nomes e as fotos dos vereadores que derrubaram o veto do prefeito aos 13º, 14º e 15º salários. O jornal divulgou inclusive quem se absteve da votação. Impressiona-me saber que os caras fizeram essa votação há pouco, em plena época de campanha política. O pior? A maioria é candidato à reeleição. (abaixo, foto dos FDPs)
A piada está no fato de não irmos atrás da vida desses homens públicos e depois reclamarmos de suas atitudes como políticos. É gozado cobrar algo de um candidato que nos aperta a mão olhando nos olhos e depois ver que aquilo era só aquele exato momento. Lembro-me de rir de um candidato daqui que falava dos candidatos que só iam à feira pra pedir votos, que só quem entende o feirante é o próprio feirante. Ri, porque não é o fato de eu ir a um lugar que determinará as necessidades daquele lugar. Mas o figura não está de todo errado se considerarmos que os políticos são nossos melhores amigos na hora de elegê-los, porém nossos maiores algozes quando tiram da boca de nosso filho o alimento com as benesses que fornecem para si e para os seus.
Será que ainda vamos rir dessa patuscada que se mostra diante de nós ou os palhaços já SOMOS nós? Quando penso nisso, fico completamente sem graça.

Votar



Esses são os queridíssimos políticos que nós temos aqui na roça. Não que na metrópole seja diferente, também lá há políticos desgraçados. (Tenho a impressão de que político desgraçado é um pleonasmo, como "oco por dentro" ou "hemorragia de sangue") Esses caras aqui votaram pelo 13º, 14º e 15º salários, derrubando o veto do prefeito. Sabe o que isso significa? Que as pessoas (eu "me incluo fora dessa", não votei em nenhum deles) estão prestes a reeleger quem só pensa em seu próprio benefício, ou no de seus familiares. Já reparou em quantas pessoas ao seu redor vão votar em alguém que lhes possa ajudar em algo? Arrumando algum bico, emprego ou favores? Muita gente! Sabemos que voto nulo não é mais contado; sabemos que voto branco vai para quem ta ganhando; sabemos que votar no Tião Macalé como protesto acaba por elegê-lo. O que fazer então? Votar nos mais sem graça e inexpressivos políticos. Assim a gente não põe no poder nem ladrões nem malucos, apenas pessoas inexpressivas. Quem sabe com elas lá nós retomemos nossa vontade de gritar?