terça-feira, 29 de junho de 2010

descortinando os vários véus


Sidarta, Govinda, Buda, Kamala, Kamavasmi, Vasudeva e Sidarta. Esses são os personagens, em ordem de aparição, que fazem parte ou cruzam o caminho do personagem principal de um dos mais belos romances (e um dos últimos românticos) da literatura alemã: Sidarta, de Hermann Hesse.
A obra é curta, tem pouco mais de cem páginas, um enredo simplificado, mas de profundidade imensurável. O personagem central inicia a história um jovem brâmane – a mais alta casta da estratificada sociedade indiana – que decide ir em busca de algo que lhe tape um buraco na alma. Na narrativa o leitor é colocado diante de um personagem lindo, rico em sabedoria, perspicaz em suas ideias de cunho altamente filosófico e que se sente incompleto.
Um dia, um grupo de samanas (pessoas que negam qualquer apego material e enxergam nosso mundo apenas como um mundo de ilusões e aparências. Vivem de esmolas e com o mínimo para a sobrevivência) aparece próximo de onde vive o jovem Sidarta e seu melhor amigo e seguidor, Govinda. Sidarta então decide ir ter com os ascetas no dia seguinte. Avisa ao amigo que renuncia à vida de brâmane para seguir os samanas e com eles encontrar o que lhe falta no espírito. Govinda, fiel apaixonadamente, decide acompanhá-lo. Por anos, Sidarta e Govinda aprendem o modo de vida dos samanas e entendem que o mundo é um local apenas de aparência, que o desapego total da matéria é que pode desvincular o espírito do corpo (nirvana). Sidarta então aprende o que lhe é de mais valioso: meditar, jejuar e esperar.
O personagem segue essa vida até encontrar o próprio Buda num parque doado por pessoas que agora o seguiam, onde seu amigo Govinda decide ficar. A jornada de Sidarta recomeça e, conhecendo o mundo real dos homens tolos, aprende a arte do amor com Kamala, dos negócios com Kamasvami e dos vícios. Até ter outra epifania e deixar tudo outra vez.
Ele então reencontra o balseiro Vasudeva que um dia lhe dera abrigo quando ele abandonara os samanas e o próprio Govinda. Dali em diante ele decide viver com Vasudeva, o homem que ouvia o rio e ensina-lhe isto: a ouvir o que o rio, indivisível, senhor do tempo, do passado, do futuro e do eterno presente, tem a dizer, e ali talvez tenha aprendido ou criado sua própria doutrina.
Depois de aparentemente em paz, cai em sua vida um menino, cuja mãe era Kamala, também chamado Sidarta. Kamala morre no leito da choupana de Vasudeva e Sidarta agora tem consigo um desafio: cuidar de um menino mimado, criado à boa vida e que desrespeita o primoroso pai.
O desenrolar a partir daí é outra reviravolta na vida do personagem central da obra, que após tantas descobertas e redescobertas sobre si e sobre o significado de sua existência, chega a uma conclusão sobre o que poderia ser uma doutrina de vida.
Recomendadíssimo para espíritos irrequietos e pessoas que têm sensibilidade a ser trabalhada. É impossível passar por essa leitura sem compreender a complexidade de um mero gesto de mão ou os múltiplos e infinitos significados de um olhar e de um discreto sorriso. Um mergulho dentro de si é o mínimo de ocorre após a leitura desse belo clássico.

terça-feira, 22 de junho de 2010

o símbolo perdido

      Depois do enorme sucesso de O código da Vinci, Dan Brown escreveu mais uma obra sobre mistérios, religião, investigação criminal, ciências ocultas e blá-blá-blá. O nome da obra é o do título desta resenha. 
      O enredo envolve novamente o professor simbologista de Harvard Robert Langdon numa trama daquelas tipo Identidade Bourne, só que sem a pujança da trilogia de Matt Damon. A história se passa nos EUA, mais precisamente em Washington, e em umas 20 horas mais ou menos. O livro tem quase quinhentas páginas - que poderiam reduzir-se a umas 150 - mas a leitura é fluida. Primeiro que não há muito a refletir sobre a linguagem. Ao longo do livro, é possível contar o verbo "aquiescer" umas cem vezes. Aliás, dá até perder a conta. Nos dez primeiros capítulos do livro, toda hora os personagens aquiescem. Caso você não saiba o significado disso, é o mesmo que "concordar a contragosto", "anuir", "ser condescendente". A impressão que fica é que o autor só conhece essa palavra, ou seus personagens só têm essa ação. Segundo, que a fórmula usada pelo autor lembra a das novelas brasileiras: ao final de um capítulo, um suspense. No início de outro capítulo, outro assunto que não aquele do suspense. Manjadíssimo.
      Na resenha do livro consta que Brown é tido hoje com o maior escritor policial da atualidade. O que mostra que o mundo está carente de bons escritores do gênero às vistas do grande público.
         Uma coisa aproxima demais Dan Brown de Paulo Coelho: ambos falam de misticismo, de assuntos "proibidos" (a obra em questão "revela" o mundo da francomaçonaria), ciência "apócrifa", de um modo bem cru, rude. A palavra certa é pobre. O escritor americano se atém aos fatos da narrativa dele, mas não há o vislumbramento literário, não há o desvelamento que a escrita bem arranjada pode proporcionar. O texto, assim como no Código..., é mais um grande roteiro de cinema (com direito a merchandising pra todo lado) do que um romance propriamente dito. O autor beira a infantilidade ao colocar os pensamentos dos personagens em itálico, caso não consigamos compreendê-lo... Isso sem falar nas palestras proferidas e diálogos. Parecem todos iguais, e há pelo menos duas palestras nessa obra, uma do protagonista e outra de outro personagem envolvido: Peter Solomon, um importante maçom norteamericano curador do museu Smithsonian.
         Não fosse o assunto ser interessante ("os pensamentos têm massa", by noética), a leitura é mais perdida que o símbolo; porque de literatura ali, há pouco.

novo trabalho

Todos que me conhecem sabem que sou chegado numa resenha. Acho o gênero interessante, leio muitas e, para praticar a escrita e registrar meus pensamentos sobre o que leio (e leio de tudo), vou começar - a partir de hoje - a redigir resenhas sobre os livros que ando lendo. Como vou começar hoje, não vou falar de livros que li há muito tempo, exceto quando relê-los, atividade de que gosto muito. Inclusive no momento estou relendo pela terceira vez o livro Sidarta, de Hermann Hesse. 
Mas pra início de conversa, vamos com um "besta-seller", que li porque sou curioso sobre os temas tratados no livro. O autor? Dan Brown. O livro? O símbolo perdido. Alguns devem me criticar por perder meu precioso tempo com não-literaturas; pode falar mal, tem problema não. Eu me defendo na resenha. 
Té mais tarde.

sábado, 19 de junho de 2010

não era mais um josé

Eu não vou dizer nada de novo aqui. Não haverá surpresas no meu texto de despedida a Saramago. Aliás, eu até gostaria. Gostaria de levar meus leitores a um mundo imaginado em uma jangada gigante de pedra, onde lá fosse casa dessa gente toda. Ou ao universo de um professor que encontra um outro de si na rua. E não eram clones. Queria despertar-me da caverna platônica onde me puseram quando vim para este mundo e ter a força de acordar aos demais, ainda que me chamem louco. Queria transportar quem me lê até uma ilha desconhecida, e desse, para quem se arriscasse a ir lá, o prazer utópico de um mundo humano. Acharia muito bom ser capaz de contar a história de Jesus numa visão ateia e revolucionária sem soar anticristo. Conduzir os outros pela cegueira branca, rasgando o caminho por ver tudo a frente de muita gente boa. Mas eu não posso. E a morte desse escritor tão pungente, tão tenaz só reforça o quanto ainda tenho de ler para crescer um cadinho de barro intelectualmente.
Saramago me transportou para esses lugares e situações todas. Me fez acreditar nos seus personagens. Recriou meu modo de entender a literatura. Eu faço – agora – reverências a você, mestre literário; com certeza o mundo fica mais burro agora, como bem disse o Fernando Meirelles.
*
“Saberíamos muito mais das complexidades da vida se nos aplicássemos a estudar com afinco as suas contradições em vez de perdermos tanto tempo com as identidades e as coerências, que essas têm obrigação de explicar-se por si mesmas.”
A caverna, p. 26. José Saramago


terça-feira, 15 de junho de 2010

vuvuzelando

Toda Copa é igual. Ou pelo menos começa igual. A gente torce pelo Brasil, se enche de esperança, bate no peito a mão no escudo da camisa canarinho, chora, grita, bebe, xinga, reza, canta o hino (ou parte dele). E, quando o Brasil perde, a gente fica praguejando um mês sobre o maldito técnico que não escalou aquela seleção (mistura de Corinthians com Santos), sobre os jogadores terem feito corpo mole, sobre essa copa ter sido “arranjada” (leia-se vendida), sobre esse país não ir pra frente, sobre tudo.
Embebedamo-nos de um falso patriotismo que só atinge o país nessa época e, minimamente, nas Olimpíadas. Pelo menos a gente gosta de esporte. Mas o que mais me deixa grilado nem são aquelas malditas vuvuzelas vuvuzelando durante todos os jogos e durante todo o jogo. Nem é da alegria excessiva do povo sul africano outrora vítima do apartheid, hoje vítima dos resquícios dessa política. O que mais me deixa inconformado é de a gente só acreditar na gente, representada por aquele bando de mercenários jogadores “estrangeiros” que não pisam aqui pra quase nada, nessa época festiva. O país para (e nem acho que deveria ser diferente) e assiste confiante de que dessa vez, mais uma vez, o Brasil vai pra frente. Le(ve)do (de cerveja) engano.
Quando ganhamos em 1994 ou mais recentemente em 2002, o que nos ocorreu depois foi a ressaca “temos-o-caneco-e-agora-o-que-a-gente-faz?”. Sabe cachorro que cai da mudança? É o povo depois da Copa. Ganhando ou perdendo, o brasileiro não aprenderá a valorizar o sentimento de amar o país sobre todas as coisas ou em detrimento dos outros, como já ocorre com a Argentina. Que avalanche de propagandas engraçadinhas insuflando a xenofobia é essa que tomou conta da tevê? Já não bastam as piadinhas sobre argentinos que circulam pela internet agora temos de odiá-los? Ou, no mínimo, zombar deles como se fossem seres inferiores a nós? Legal isso vindo de um povo “patriota”, porque é tudo o que um continente precisa pra crescer frente ao mundo lá fora: desunião.
A gente precisa aprender a confiar no nosso potencial pessoal, não por causa do país ou da nossa cultura tão festejada pelos gringos. Precisamos é olhar ao redor e dar as mãos, não como nação, mas como humanos. A gente pertence à mesma nação: a humanidade.
Gosto de futebol, não nego. Mas mais do que torcer pelo meu país, prefiro torcer pela festa como uma grande confraternização que une bilhares de pessoas à frente da tevê e pode servir como palco para divulgar as diferenças entre os povos como uma qualidade a ser preservada para os tempos pós-competição, não como motivo para desunião.