domingo, 17 de maio de 2009

escreveler

Desculpem os séculos sem publicação. Essas muitas aulas têm me tomado o tempo até de lembrar que tenho uma vida aqui. Sei que alguns vêm aqui ansiosos por textos novos, engraçados, desgraçados etc.
Porém, hoje apresento a vocês A escrita culinária, meu mais recente artigo sobre ler e escrever. Usei-o na específica e obtive relativo êxito (kkkkk, que linguagem é essa, guga?)
Espero que seja útil pra vcs.Abraços e beijos.

A escrita culinária


Escrever não é fácil. Nunca foi. Quem gosta de escrever admite ter facilidade para a produção textual, mas isso se deve provavelmente à quantidade de leitura do indivíduo, que por sua vez deve ser boa, bem como sua prática constante.

No entanto, na hora de escrever, um turbilhão de ideias pode invadir a mente dos menos otimistas para a escrita, tornando o trabalho muitas vezes penoso, cansativo e – na pior das hipóteses – inútil. Num outro extremo, o vazio de conteúdo também dificulta a tarefa de redigir, uma vez que é por meio das palavras, quer orais quer escritas, que se expressa o pensamento, e se não se pensa em nada no momento da redação, difícil será produzir alguma coisa.

O que fazer nesses casos de conteúdo em excesso e em falta? Ao escrever, devemos ter em mente que estamos num processo de manipulação da linguagem e do nosso leitor. Sim, quando escrevemos, fazemos o outro pensar o que quer que queiramos que ele pense. Por exemplo, neste momento você deve estar pensando em quantos quês usamos na frase do período anterior. Pois é, era exatamente o que queríamos. Claro que esse exemplo ilustra minimamente o que podemos fazer com a linguagem.

Em âmbitos mais ousados, podemos inserir informações perniciosas no texto sem que o sujeito leitor se dê conta de sua gravidade e acabe deglutindo, a partir de alguns referentes – como a ideologia –, uma verdade constituída ou falaciosa. Para exemplificar, tomemos o caso de algumas publicações de circulação nacional que, ao redigir suas matérias, deixam claro suas intenções persuasivas, maquiando a verdade como universal, quando é particular. Escrever é manipular, voltamos a dizer. Perspicaz é o leitor que compara notícias.

No que se refere à sala de aula, encontramos alguns escritores/leitores com dificuldade para redigir aquilo que lhes é pedido simplesmente porque não há um processo consciente de leitura. Ler, mais do que meramente interpretar símbolos em sons e significados superficiais em assuntos, é notar o que não foi lido. Para interpretar textos, é necessário que leiamos não só o diagrama que se nos apresenta, mas todo ele, o além dele, o aquém dele, o antes e o depois dele. Ou seja, é preciso ler o que não está escrito, ver o que não foi pensado, acompanhar um campo semântico racionalmente, fazer conexões entre os parágrafos e notar a função dos conectores dentro do texto São eles os responsáveis pela “costura” (coesão) textual e, por conseguinte, pela “harmonia” (coerência) das ideias.

Assim, não é tendo ciência do que é leitura para que escrever se torne algo fácil ou habitual, como ferver um leite ou passar manteiga num pão. Aproveitando a cozinha do último exemplo, escrever é fazer a laboriosa e complicadíssima massa folhada. Complicada porque laboriosa, acrescente-se. Ela requer manuseio de alguns ingredientes, que têm de ser colocados na hora certa, sovados na hora certa, descanso, testes de consistência, atenção às quantidades de ingredientes, paciência, mais descanso, perseverança, cuidado, um pouco de astúcia, mais sova e mais descanso. Como se vê, nosso prazer pela leitura advém de um processo longo e auspicioso da parte de quem escreveu. E comer rapidamente o croissant é não valorizar todo o trabalho que a massa folhada deu para fazer. Pior, é não entender os sabores todos que um texto simples pode proporcionar a nossa imaginação e inteligência.

Escrever não é fácil. Se alguém disse que era, estava escondendo uma verdade talvez não absoluta, mas original: escrever, quaisquer textos, é essencial. E quem tem prazer com o essencial, como o amor ou o respeito ao outro, não sente as dores do processo de redação, porque não as vê. Mas que elas existem, ô.