terça-feira, 12 de outubro de 2010

com o coração pra fora dos peitos

a árvore da vida - gustav klimt

     Tenho me perguntado: o que é ser rico? Pra maioria, ser rico é ganhar na megassena (juntou, Bechara?) e esbanjar. Pra alguns, é ter dinheiro pra fazer viagens internacionais, ter imóveis e carros de luxo. Pra uns poucos, ser rico é ter o suficiente pra comprar tudo o que se quer, à vista. Pra uma minoria, ser rico não tem ligação direta com dinheiro. Eu to nesse último grupo.
     Toda vez que a megassena (Pasquale, é assim mesmo?) acumula, o povo sempre me pergunta "e aí, já fez sua fezinha?" Fezinha? Minha fezinha é no meu dia a dia, com meus alunos na sala de aula (ou fora dela), olhando pros lados pra um doido não furar o sinal e bater em mim, torcendo pro mais fraco ganhar pelo menos uma vez, acreditando que ainda dá tempo de salvar um pouco do mundo, difundindo a ideia de micropolítica não-institucional (hei, preciso escrever sobre esse conceito!), dando um abraço nos brothers, tomando uma na quarta com meu irmão urso Chikão, torcendo pros meus alunos passarem logo no vestibular (sobretudo quem já fez mais de dois), tentando não faltar com meu trabalho, lendo o que eu quero no meu tempo, almoçando na minha mãe alguns dias da semana, trocando ideia com minha família sobre trivialidades e sobre coisas importantes... fezinha é construir a vida, não esperar que ela se construa sozinha, de fora pra dentro. Não acredito só no acaso. Não acredito, só, no acaso. Prezo muito mais pela construção cotidiana da nossa sorte, que são, afinal, todas as possibilidades que se nos apresentam a cada segundo. Se soubermos olhar de esguelha pra ventura, sem nos importarmos demais com ela ou desprezá-la, ela vira pra nós e passa a nos seguir. Sobretudo a boa ventura.
     Um dia, a mãe da Isabella, uma amiga de tempos, morreu. E eu só pude ir à missa de sétimo dia, numa igreja que hoje é perto da minha casa. (nota: não foi a igreja que mudou, fui eu). E foi engraçado, porque eu tava no meio de janelas de aula, com minha irascível Honda CBX Aero 150 cc 1991 (uma moto encarniçada, de tão tosca) e fui lá abraçar minha amiga. Eis que o padre me solta, quando ainda procuro um espacinho que me coubesse no templo lotado, "... pois como disse, certa vez, Santo Agostinho: rico não é o que possui muitas coisas, mas o que precisa de pouco". E parece que eu não ouvi mais nada do que ele disse depois disso, pois de certa forma, a frase entrou direto no meu coração como um mantra sagrado que nos cobre de verdade e lucidez o qual passamos a repeti-lo sempre. Eu me dei conta de que era rico! Nunca passei fome na vida, tenho uma cama confortável para descansar dos dias corridos, tenho um veículo que me leva a todo lado, tenho um sem-número de amigos confiáveis e alguns nem tanto, mas que são gente boa, tenho uma família fantástica, tenho roupas pra me vestir, tenho o trabalho com o qual sonho e me realizo todos os dias... Peraí, sou rico pra caralho! E pra que mais, eu sempre me pergunto!
     Fico admirado de ver gente que tem se dado bem no trabalho, tem ganhado dinheiro mais até que o suficiente (quanto é o suficiente?) e não desliga. Parece que não está bom. Parece que ainda é preciso de mais. Se nós sabemos que o mundo vai acabar por causa do nosso ritmo de consumo, se sabemos que o desejo incipiente de compra acaba quando nosso dinheiro vai à mão do vendedor (às vezes antes mesmo de você repassá-lo), por que então continuamos a seguir esse modelo de vida? Parece tão óbvio esse nosso suicídio moral e ao mesmo tempo tão nublado... O que fazer para as pessoas despertarem? Ficar repetindo mil vezes "pare de comprar! pare de comprar!"? Sinceramente, não quero esse despertar quando já não houver mais nada. Anseio pela mudança, acredito nas pequenas ações, acredito no adolescente. E sim, vou repetir quantas vezes for necessário

Destrua o véu preto que cobre teus olhos
Ouça o que não foi dito
Leia o que não foi escrito
Destrua o véu preto que encobre os discursos
Arregace o coração pra fora dos peitos
Abra-te o cérebro
Torna-te um cérbero
Mas não defenda um inferno
- Isto é o que já fazem todos - 
Pense por três, morda por um
Rasgue as carnes da indiferença
Faça-te visto
Xingue um palavrão que te liberte ante o discurso falacioso das propagandas
À merda o consumo!!!
O lixo que ele produz na rua
E na cabeça sua!
Torna-te um monstro social que pensa,
Que hoje pensar dói, machuca e
Livra!

     Todos precisam de conforto, isso eu não nego. Pra mim, todos precisam viver dignamente. Mas pra que o ouro? O carro importado? Pra que quadruplicar rendas? Pra que solapar o miserável e enfurná-lo num buraco social mais fundo que o donde ele se encontra?
     Reescreva sua história com sua caneta. Eu estou reescrevendo a minha. Minha sorte são os caminhos que eu venho trilhando e abrindo com os olhos arregalados de paixão por tudo quanto se ligue à vida. Como diria o Mulder, porém aqui noutro contexto: "eu quero acreditar".



7 comentários:

Paula H. disse...

Gosto muito de visitar seu blog...É curioso como suas declarações se enquadram no contexto ao qual vivo no instante em que as leio.
E o máximo que me acontece, é permanecer estática, divagando com o pensar. O que de certo modo me impede de comentar sobre os temas tratados. Nessas horas é difícil fugir dos chavões. Mas é reconfortante saber que ainda sim existem pessoas "imunes" aos charmes do capitalismo...

Bruna Sene disse...

Ou eu estou sensível demais hoje ou teu texto realmente é emotivo. Poxa Guga, preciso repetir que sou tua fã. de verdade!
É bom demais saber que ainda existem pessoas como você e mais, é bom demais ter você por perto, mesmo que tão raramente! hehe =D
Grande beijo

Giuliane Ferreira disse...

Eu li todos os textos do seu blog. Talvez eu seja uma das únicas pessoas que possam dizer isso. Esse texto é o Guga que eu conheço, o Guga amigo, o Guga conselheiro, o Guga companheiro, o Guga que tem fé (em adolescente? ah, vai muito além disso, querido). Nesse texto há o meio termo de que tanto falo, Guga. E mais, nesse texto há amor, há paixão. Esses sentimentos que permeiam o dia a dia de gente realmente rica. Guga, o que quero dizer é que aprender com você, ser sua amiga, faz de mim uma pessoa mais rica. E que de todos os textos do seu blog, esse foi o único trouxe à tona, em mim, uma emoção rica de sentimento, por compartilhar de tudo o que foi dito nele.
Um grande abraço, amigo!

Thalita Bastos disse...

Vejo muita sinceridade nas suas palavras, professor ;)
E é um enorme prazer assistir suas aulas

abraço!

Mariana Dias disse...

Muito bacana seu texto! Mas as vezes acho que esse tipo de ambicao "ruim" eh da natureza humana. Eh, ando descrente haha. Bom, mas sempre persigo seu mantra. haha

.guga valente. disse...

Bom demais ver que tem mais gente com o coração pra fora dos peitos, exigindo que se olhe pra ele e que o respeitem! Valeu demais pelos elogios, fazia tempo que eu não os recebia, eheheheh....

Unknown disse...

Vou deixar aqui meu primeiro comentário, apesar que já li boa parte dos seus inumeros textos. Como sempre, sou encantada por suas aulas, por suas ideias e por seus textos que são postados aqui!
Abraço "Grande" Guga!