domingo, 8 de junho de 2008

contoIII


Mais uma produção minha, data de 2005 e mostra já a minha aversão a negociações...

A dinheirama

É bom avisar logo que esta história se parece com aquelas piadas que se contam inteiras, durante meia hora, pra depois dizer-se que no final o cara morre, a caixinha faz ploc-ploc, a tocha faz tchu, enfim, você espera um tempão e a única pessoa que ri é a que conta, pois a piada é péssima e você morre de raiva. Portanto, se você não quer que eu ria de você, não leia mais, pelo menos a isso você não é obrigado. E, afinal, dinheiro nem é tudo.

Era num saco plástico, pendurado por entre algumas trepadeiras nas grades da movimentada faculdade de enfermagem, a qual ficava na esquina de uma movimentada praça, num movimentado horário, que se encontrava a dinheirama. Ninguém sabe quem deixou aquilo lá às seis e meia da tarde. Nem por quê: duas mil e oitocentas notas de cem.

Aquele dinheiro, todo verde, parecia, em verdade – e talvez seja esse o motivo pelo qual ninguém notou-o por lá – palhas de pamonha. Ele não estava distribuído em pacotes, como num cofre, nem totalmente fora de ordem.

Dona Neuza foi a primeira pessoa a passar pela dinheirama depois que esta foi deixada pendurada nas grades da faculdade. A senhora é estudante desse curso, já faz mais de três anos que chega com sua cara desanimada e desanimadora à noite para assistir às aulas. Trabalha o dia inteiro numa repartição pública, cuida do filho Lucas sozinha quando chega em casa às cinco, e vai pra faculdade às seis, pra chegar lá às sete e meia. É uma longa viagem da casa dela até a universidade. Chegando lá, pra desviar do homem que vinha no sentido contrário carregando uma porta com maçaneta nova e chave encaixada, esbarrou na sacola, olhou-a, bateu na blusa limpando um não-sujo e entrou pelo portão em direção à sala.

Seu Moacir viu de longe a sacola recheada de dinheiro, de longe mesmo concluiu que podia ficar rico naquele dia, mas depois, pra não bater a porta que carregava na moça que vinha em sua direção, desviou os olhos da sacola, esquecendo-se logo em seguida do que podia ter querido pensar que havia nela. Delírios por carregar uma porta, sendo que não vai abri-la, pois a porta não era dele.

Carlos jogara bola até tarde depois da aula com os colegas no campinho que ficava perto da praça, próximo à faculdade. Ele olhou pro ponto de ônibus, perto do portão da faculdade; de relance olhou a sacola, quando quis fixar-se nela, um ônibus se aproximou rápido, assustando-o, fazendo com que atravessasse a rua por trás do ônibus por lembrar-se da surra que possivelmente iria tomar em casa por chegar àquela hora.

Sérgio foi quem chegou mais perto, foi quem tocou, foi quem quase sentiu o cheiro da dinheirama. Ele caminhava devagar, rente ao gradeado, rumando inevitavelmente para onde estava a sacola. Cada passo, cada passo que ele dava, cada passo que ele dava colocava-o, cada passo que ele dava colocava-o mais perto da sacola. Até que esbarrou nela, como dona Neuza. Só que ele parou. Não sentiu cheiro de pamonha, pelo contrário, suas mãos não estavam enganadas de que aquilo que tinha lá dentro era muito papel. Quis enfiar a mão na sacola, sorrateiramente desavergonhado. Mas ouviu um grito: “Não mexe nisso!”, era Marina gritando com o filho Caio para ele não pegar a seringa usada que estava no chão, próximo à lata de lixo que ficava logo à frente do ponto de ônibus (ela esperava o ônibus, como outros). Daí Sérgio saiu de fino, fingindo que não era com ele. Não tinha como ele saber que não era com ele, ele é cego.

João viu a cena. Ficou muito curioso com a atitude do cego, já que não relacionou o grito de Marina com o fato de Sérgio ser cego. Tencionou avisar o homem que estava deixando pra trás uma sacola, mas distraiu-se com o chamado do amigo Cláudio, que saía da aula de direito (a faculdade dele ficava em frente aos fatos) e oferecia carona. Como quem não tem nada, quando tem carona sabe que carona é bem melhor que nada, entrou no carro do amigo com esse dando um forte tapa nas suas costas em sinal de grande amizade nutrida por ele. Como lembrar-se da sacola depois de um tapa daqueles? Foi-se embora mais um possível futuro dono do dinheiro.

Duas mil e oitocentas notas de cem. É muito dinheiro, dou fé. Dizem que as pessoas costumam ser muito mal educadas, jogam lixo na rua, não se preocupam com a natureza, nem com as enchentes, nem com nada. Aparecida só confirma esse jargão. Descia ela com a filha Parla, que por ironia era muda, pela calçada que esquinava o gradeado e fatalmente daria na sacolaça, no espavento, no despautério, no inóspito monte de dinheiro. A pobre Parlinha não falava com a voz. Tentava se expressar para a mãe com gestos. Suas mãos eram tudo, seus braços eram hábeis e suas pernas tentavam acompanhar o ritmo corrido de sua mãe. Ela sabia o que era dinheiro. Só não sabia o que era muito dinheiro. Passando quase de chofre pela sacola, a menina pegou-a sem sua mãe ver, carregou-a sem olhar o que tinha dentro, como se quisesse se afastar primeiro pra ver o que tinha em mãos. Sua mãe estava brava com ela, uma vez que a menina já tinha pego várias coisas da escolinha até ali. Isso irritava Aparecida, que pegava tudo tentando ver o que era ou o que a menina queria dizer. Como já estava sem uma gota de paciência, quando viu a sacola na mão da filha, não quis nem ver, pegou-a de sua mão e, gritando com a filha pra parar de pegar tudo que vê pela rua, jogou a sacola entre o meio fio e o asfalto, daquele jeito que a gente joga sem intenção e cai exatamente onde queremos e ficamos felizes logo em seguida por termos acertado alguma coisa na vida. Costuma até sair um sorriso, às vezes até uma gargalhada. Se Aparecida risse ali, ia ficar parecendo que estava rindo de si mesma, da asnice que acabara de cometer. A menina não reagiu, não esboçou uma oposição à tirania de sua mãe. Talvez por não ter visto o dinheiro de fato, talvez por estar vingando-se de sua incompreensiva progenitora.

Uma vez alojada ali, a sacola ia ter destino certo: alguém passaria de carro, veria aquele bolo de notas verdes de cem dentro dela – ela era daquelas vagabundas, brancas, de supermercado, sem logotipo – e ficaria rico. Não precisava de carro, alguém que gostasse de andar na rua ao invés da calçada, enfim, ali parecia estar ela mais visível do que no gradeado. Até porque ali as notas poderiam se espalhar com um vento mais forte. Também podia acontecer de não dar esse vento e as notas continuarem lá, intactas, até o dia seguinte, quando às sete e vinte e dois os garis estariam varrendo e recolhendo os pequenos lixos da rua e algum deles toparia com o insólito e: morreria do coração, ficaria extremamente feliz ou ficaria louco, não respectivamente. Mas a sorte estava conspirando pra ninguém. É tanto que nenhuma criatura humana achou a dinheirama. Porém a chuva de veranico que caiu inesperadamente às sete e cinco achou e levou, no leito de sua enxurrada, dinheiro que se a boca de lobo fizesse idéia do tanto, abriria um sorriso largo, mudaria de vida depois de engoli-la toda, deixando nenhuma notinha de lembrança.

4 comentários:

Branna L. disse...

Nossa! Aqui estou eu de novo. Nem me entendo... como posso viciar no blog de um cara tão chato e que vive me tirando? Tudo bem... deve ser pq eu relevo. Sou uma ótima pessoa. Sou maravilhosa. Sou perf... É parece que sua "modéstia" é contagiosa.
Quanto ao conto, vc já até sabe o que vou dizer, neh!? Ótimo, genial!!
Ah! Aquele rolo que deu sobre o texto da Elaine realmente foi uma falha na interpretação. Eh q vc escreveu assim: "Este eu escrevi faz uns anos. Era pra entrar no concurso do SESI, no qual já fui premiado em segundo lugar. Mas aí, com este, eu não ganhei". Eu entendi (acho q a menina tbm) q vc n tinha ganhado em 1° lugar, mas tinha ficado em segundo. Desculpe, é minha ignorância.
bye Sr. Modéstia

Jéssi disse...

Lendo seus contos eu imagino todas as cenas na minha cabeça,deu pra ver claramente as duas mil e oitoceitas notas de cem beeeem verdinhaaas!
Ahhh...Se isso ocasionalmente pudesse virar uma história verídica,a mãe malvada da menininha Parla(que nome...diferente)teria no mínino um surto psicótico!hehehehehe!
Ahh,como é bom vir aqui no seu blog. Você consegue se superar a cada dia,a cada conto,a cada texto novo...enfim, você sabe neh? Do tamanho que é a minha admiração por você,ela rstará sempre comigo,intacta,por que igual a você,com essa criatividade e espontaniedade natural que você sempre demosntrou...nem tirando xerox!
Mais um conto que não dá nem pra piscar,quando vejo,já acabou a leitura...
E ainda tem gente que tem preguiça de ler quando olham o tamanho do conto...Aff,mal sabem eles o que estão perdendo...
Se fossem chatos,mas são geniais!

Beijoos Gugaaa!
Me dá um G
Me dá um U
Me dá um G(de novo)
Me dá um A

Gugaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!=D

Branna L. disse...

OW...
Vc nem faz nada da vida...
será q n pode, por favor, atualizar esse blog?
Pq assim, em um dos meus milhares de acessos diários, eu enfim encontro um novo post e fico feliz.
Já sei... vc deve ta pensando o q vc tm a ver c a minha felicidade, neh!? rssr
AH! aproveita e posta um dos seus poemas "paridos".
bjs
inté

Unknown disse...

Vc bem q avisou, então, pode rir de mim, rs. Gostei do jeito q a historia vai acontecendo, e é muito verdade o q tu falou de "Aparecida"...

Indico esse blog pra todos q conheço e tenho contato na net. Sou tua fã Sr Valente!

Abração, ate terça!