segunda-feira, 15 de junho de 2009

redação


Todos sabem que redação é minha vida. Todos sabem que sem escrever não fico e sem falar disso não vivo. Dar aula pra mim é bem mais que um ganha-pão, é profissão de fé, é amor à causa, é crer que a escrita pode mudar o mundo, porque é lendo, informando-se e, sobretudo, pondo pra fora o que somos em palavras e textos, é que atingimos nossas metas. Das incipientes às derradeiras. Também não é segredo pra ninguém que, ao entrar numa sala de aula, tento colocar no quadro, na voz e no amor que tenho pela escrita tudo o que aprendi. Tudo mesmo. Já me vi inúmeras vezes tratando de assuntos e textos com alunos que nem na Universidade eu vi. Sou topetudo e bato de frente com o que não concordo nos livros. Exponho isso aos alunos e deixo o peito aberto pra aprender com os erros e críticas. Inclino-me a uma boa retórica que se me apresenta, mas curvo-me diante de um bom argumento. E a Universidade Federal de Goiás sempre foi um bom argumento pra mim, mesmo quando vacilou em seus vestibulares (o manifesto no lugar de uma carta aberta, em 2008, é só um exemplo). Sempre segui a teoria dos gêneros discursivos adotados pela instituição (que os adota desde 2003) e faço questão de frisar que, se hoje ela abandonasse esse estilo de prova e retomasse o da tipologia (dissertação e narração), eu continuaria trabalhando o gênero, porque acredito que é nele que realizamos o mundo real, nas revistas, nos jornais, nas pequenas publicações, na televisão, na escola... enfim, na vida. E até hoje, desde 2003, não houve um ano em que não fui surpreendido pela prova, seja pelo tema, seja pelas modalidades de texto exigidas. Surpresas, na maior parte das vezes, boas. Contudo, a surpresa que tive hoje foi desagradável, teve gosto amargo e de proposta errada. O tema foi indiscutivelmente interessante ("O papel da arte na vida cotidiana: utilitário e/ou estético?"). Inovador, instigante, necessário, útil, enfim, não tenho do que falar dele, excelente, como inúmeros. Porém, no que concerne aos gêneros, a impressão de que a UFG quer "aparecer" pro mundo acadêmico foi patente. A primeira pergunta que me veio à mente foi: por que gêneros totalmente inusuais no lugar dos presentes em nosso cotidiano? Pedir aos candidatos Biografia? Discurso de formatura? Da carta eu nem falo, porque foi o único certo a meu ver. Agora os dois primeiros... Quando falo em gênero discursivo, espero que meus alunos entendam as várias manifestações dos textos frente à realidade, ao cotidiano, ao mundo. E não posso deixar de falar que o meu norte, e o de outros tantos professores de produção textual da cidade, é exatamente essa prova da UFG. É ela que nos dá a deixa do que trabalhar em sala como sendo o possível e o real. E se já é impossível trabalhar todos os gêneros em todo o ensino médio (considerando que hoje o ensino médio tem dois anos e um pré-vestibular no terceiro), quiçá trabalhar aqueles totalmente improváveis. Não estou aqui choramingando por não ter "acertado" os gêneros exigidos. Longe disso. Aplaudi a instituição quando editorial (2005), artigo de divulgação científica (2006) e carta aberta (2006) foram pedidos, mesmo eu não os tendo trabalhado em sala. A minha crítica é que se o norte que deveríamos tomar em sala é o de que "tudo é possível de ser pedido", daqui a pouco os referenciais serão poucos pra sustentar na cabeça desses jovens, que ingressam na universidade sem saber por que escrever é necessário, a importância de se estudar os gêneros e não só os tipos de texto. Temo ter que iniciar o próximo semestre trabalhando em sala horóscopo, receita médica e bilhete escolar, na esperança de meus alunos entenderem o que é o gênero pra UFG. Sei que gênero é aberto, e tudo é possível e híbrido. Mas precisamos de um mínimo de limite, um mínimo de coerência. Se o objetivo da banca é fazer-nos refletir com os alunos sobre as condições do gênero discursivo no mundo, ótimo, então que ela promova simpósios e minicursos, como os que fazia a minha amiga Mary Fátima Lacerda, para que a comunidade alcance o que está na cabeça e no propósito dos avaliadores, porque, sinceramente, nem todo gênero ajuda o outro. Assim como a UFG nos deu a mão agora, nesta prova, pra nos empurrar. Os examinadores e responsáveis por esta prova (e por outras de outros anos) certamente não se colocam no nosso lugar. Se o fizessem, talvez pensassem que um mínimo de relação com o verdadeiro cotidiano a prova deveria pedir. Biografia é texto que a maioria dos candidatos nunca leu. Ou mesmo produziu. Discurso de formatura, talvez o primeiro com o qual eles tenham contato será no final deste ano, quando terminarem o terceiro ano e um infeliz da turma for o escolhido pra puxar o saco da instituição onde estuda e lembrar das patacoadas dos alunos durante o ensino médio. Honestamente, a UFG nunca esteve tão distante dos meus ideais - que eu julgava os mesmos da instituição onde estudei e que tanto respeito. Parece que a redação vai voltar a ser um "bicho de sete cabeças". Estou sem chão pra iniciar o próximo semestre. Já sei, vou começar com a proposta "Minhas férias" > relato pessoal bucólico-psicológico. Quem sabe não cai no final do ano?